Review – Universo Paralello 11 (UP11)

Publicado em 13/01/2012 - Por Mohamad Hajar

Este provavelmente é o review mais difícil que já fiz pro Psicodelia.org. Falar de um evento como o Universo Paralello não é fácil: além de ser um dos principais expoentes da música eletrônica no Brasil e no mundo, são 7 dias de evento, 4 palcos e mais uma infinidade de entretenimentos paralelos a serem analisados. Entre os dias 28 de dezembro de 2011 e 4 de janeiro de 2012 a cidade de Ituberá, na Bahia, hospedou uma experiência única para cerca de 15 mil pessoas e também uma revolução na cena open air nacional.

LOCAL

Depois de passar um ano um tanto desastroso na Praia do Garcez, a volta do Universo Paralello à praia de Pratigi, em Ituberá, era muito aguardada. Também pudera: o local, que inclusive é uma APA (área de proteção ambiental), é um dos mais lindos que já visitamos. Água limpa, vegetação nativa, praias limpas (mesmo com milhares de pessoas convivendo)… Inclusive uma cena emblemática aconteceu em um dos últimos dias: ao parar de costas pro mar, olhar para pessoas curtindo um downtempo na Concha Acústica à frente, outros curtindo psytrance à direita no 303 stage, mais alguns no UP Club dançando tech e deep house, e um resto ainda na praia se divertindo, todos educadamente, sem desrespeito ao ambiente e ao próximo, chegamos a uma triste conclusão: nunca mais será possível sentir prazer em ir a uma praia comum. Antes de ir, todos se perguntam o que o UP tem de tão grandioso a ponto de fazer com que as pessoas passem todos os seus reveillons lá, e o primeiro motivo é este: é um paraíso raro e exclusivo.

 

ESTRUTURA

Armar estrutura para um festival de 7 dias, com 15 mil pessoas, não é uma tarefa fácil. Festas de poucas horas de duração para o mesmo volume de gente costumam encarar grandes dificuldades neste quesito, e foi aqui que residiu o maior ponto positivo do UP11: tudo estava incrivelmente perfeito! Dentre tudo o que será analisado nas próximas linhas, se tivessemos que escolher apenas um ponto para parabenizar a organização, sem dúvidas que seria a estrutura. Vamos esmiuçar item a item agora.

Pra começar, vamos falar de algo básico e que foi uma das maiores críticas do UP10: banheiros. Os banheiros em festas e festivais geralmente são alvo de duras críticas, pois em poucas horas já estão sem papel, mal-cheirosos e muitas vezes intransitáveis. Porém o UP11 conseguiu vencer este desafio que quase nenhuma festa no Brasil consegue: durante os 7 dias de evento, os banheiros estavam limpos e perfeitamente utilizáveis. Mérito disso para quem projetou os banheiros, que contavam com um sistema de exaustão que os deixou cheirando bem o tempo todo, para o fato de que cada 4 banheiros possuiam uma pessoa responsável por sua manutenção e limpeza 24 horas por dia, e para o público, que soube respeitar o espaço comum.

E já que estamos falando de itens importantes para a convivência, palmas também para os chuveiros. Outro ponto falho do UP10, no qual houve falta de água por mais de 2 dias, nesta edição não houveram relatos dessa espécie: foi possível tomar banho todos os dias. Um ponto que pode-se considerar negativo é o fato de que não havia distinção entre masculino e feminino, então o banho era estilo Big Brother Brasil de ser, mas os que imergiram no espírito do festival vão dizer que isso é frescura, afinal muita gente simplesmente ignorou o fato e tomou banho como veio ao mundo.

Seguindo na estrutura para abrigar pessoas por 7 dias a fio, vamos à praça de alimentação. Provavelmente esta foi a primeira surpresa positiva que tivemos, assim que chegamos ao festival. Eram mais de 30 opções de alimentação, das mais simples, como o tradicional acarajé baiano e lanches, até opções mais sofisticadas, como temakis e risotos de frutos do mar, sem contar o restaurante buffet, que servia todo tipo de comida. Menção honrosa para o açaí, base da alimentação de quase todos que enfrentavam o calor em alguma das pistas! E para os que não quiseram gastar “comendo fora”, havia ainda a Cozinha Circular, um ambiente comunitário com um fogão a lenha, para que fosse possível a cada um preparar sua própria comida.

Passando da comida, vamos à bebida – os bares. Por mais difícil que possa parecer (tanto pelo isolamento do lugar, como pelo calor), a principal exigência para que um bar seja decente foi atendida: em todos os 7 dias as bebidas estavam deliciosamente geladas! Mesmo com quatro bares e uma demanda imensa (que inclusive fez com que a catuaba acabasse no último dia), cada latinha de cerveja ou garrafa de água comprada estava na temperatura ideal para consumo. Os preços, muito justos: R$3,00 pela água, R$5,00 pela cerveja e copo de catuaba, R$10,00 pela dose de vodka. Além das bebidas, os bares vendiam também um produto um tanto interessante: as Cool Towels, umas toalhas geladas umedecidas (com duração de cerca de 2 horas) que eram de grande ajuda para enfrentar o calor típico da Bahia. No Main Stage e no UP Club, além do bar comum também havia um bar vendendo coquetéis especiais, como Hi-Fi e outras misturas. Vale mencionar também as fichas de caixa, que aparentemente tinham tantos itens de segurança quanto a nota de Real!

 

Outra necessidade básica de quem estava lá era dormir – e o camping também estava muito bacana. Bem distribuído, dificilmente você ficava longe de um banheiro, chuveiro ou bar, sem contar que todas as ruas estavam iluminadas e era possível se achar sem o uso da lanterna. Importante ressaltar que nesse ambiente sim, haviam seguranças trabalhando o dia todo.

E finalizando a estrutura básica, o posto médico também estava em conformidade com o necessário. Grande, com uma boa quantidade de médicos e enferemeiros, contava também com uma UTI Móvel e, como já é praxe, a tenda SOS Bad Trip, com psicólogos que tratavam as pessoas que enfrentavam o efeito adverso das drogas psicoativas. Este último ambiente era organizado pelo pessoal da redução de danos, que possuía também uma tenda de conscientização com relação às drogas. Diversos folders informativos estavam sendo distribuídos, bem como palestras e debates sobre drogas aconteceram na Arena Circular.

ENTRETENIMENTO

A grande sacada do Universo Paralello é que ele é muito mais do que um evento de música eletrônica: é um festival cultural. E isso implica em muito mais arte e espetáculo do que um punhado de stages musicais pode proporcionar. Lá o entretenimento era muito diverso: intervenções circenses aleatórias nas pistas, com malabaristas, pirofagistas e outras coisas do gênero, intervenções nas ruas, com músicos e instrumentistas se apresentando na base do improviso de estrutura e também com um stage “clandestino” armado por uma barraquinha de lanches próximo ao 303 Stage.

Havia também a Aldeia Circulou, um ambiente multicultural dividido em várias sub-áreas, como a tenda dos indígenas locais, que faziam rituais e pinturas no pessoal, centros de cura natural e cura energética, massagens, a já citada Cozinha Circular, o ambiente para crianças chamado Circulinho, com brinquedos e animadores, e a Arena Circular, que abrigava desde rituais Diksha até palestras de conscientização sobre drogas, promovido pelo pessoal da redução de danos.

Vale citar também a Villa, um ambiente aonde podíamos nos conectar ao outro universo (vulgo mundo real): duas LAN houses, uma central de telefones e espaços para carregar baterias de câmeras e celulares. Chamou a atenção que, enquanto as tomadas da LAN house eram pagas, você poderia optar pelas bicicletas gratuitas, que transformavam sua energia mecânica em energia elétrica para carregar os equipamentos. Talvez o esforço não valesse a pena, pois levava horas para carregar um celular, mas valeu a iniciativa.

Por fim, haviam também as feirinhas. Vendendo de tudo ligado ao mundo psicodélico, lá era possível encontrar artesanato hippie em camisetas, cangas, toalhas, brincos, pulseiras, havia também a tenda do Inspire-se Bazar, que vendia plantas naturais psicoativas, haviam cartucheiras da Matramba, artigos oficiais do Universo Paralello (inclusive um botton que era brinde para quem coletasse 50 bitucas de cigarro). Essa era a hora em que era difícil reprimir o espírito capitalista: os materiais são tão bons que a tentação de levar muita coisa pra casa é grande!

PALCOS: ARTISTAS E DECORAÇÃO

Vamos agora à parte central do festival: os palcos musicais. Neste ano foram 4: Main Stage, com os principais artistas da cena psytrance, desde o dark até o progressivo; 303 Stage, que ocupa o lugar do antigo Goa Stage com uma proposta diferente – a de valorizar novos artistas; UP Club, como o nome já sugere, para a música de club, como techno, house, tech house, deep house, electro e afins; e a Concha Acústica, que abrigava o chill out e a diversidade cultural, tendo desde o show do Arnaldo Antunes até os DJ Sets já conhecidos do pessoal da Funk You. Ufa! Considerando que os palcos ficaram ligados praticamente o festival inteiro, temos quase um mês de apresentações musicais. Como foi humanamente impossível para nossa equipe assistir e avaliar tudo que merecia destaque, no review nos limitaremos a dar um apanhado geral e citar alguns nomes destacados, bem como analisar a ambientação de cada stage. Se alguém que você viu foi extremamente foda e nós não citamos, considerem que talvez no momento nós estavamos em outro lugar da festa.

MAIN STAGE

O palco principal, ou como o guia oficial do festival descreveu, “o coração do Universo Paralello, a bomba que irradia e distribui o fluído vital para todos os outros órgãos“. Lá os principais nomes da cena psicodélica se apresentaram, sejam mainstream ou underground. Da turminha pop, sem surpresas: Growling Machines, Wrecked Machines, Shanti tocaram exatamente o que a gente já viu 1000 vezes; dos novos nomes, uma decepção daquele que talvez era o mais hypado do momento: Captain Hook está cada vez mais se entregando ao dubstep ruim (que ele insiste em chamar de trancestep). Ficou nítido em seu set a empolgação da galera na intro, bem como a decepção geral depois de 40 minutos.

Mas se tem uma coisa que ficou muito clara nesse UP, é algo que já falavamos aqui no Psicodelia.org há algum tempo: 2012 será o ano do progressivo. Era unanimidade por lá que os destaques eram todos dessa linha: Ritmo, Klopfgeister, Symphonix, Protonica, Interactive Noise, Grouch, Day Din… Estejam todos preparados para uma invasão dessa turma nas open airs e clubs ao longo dos próximos meses!

A decoração estava bacana: tenda psicodélica produzida por Sagaz Corp, e decoração (assinada pelos Piratas de Ibiza) baseada em alguns bonecos “extraterrestres” feitos com lixo reciclável. No palco, um desses boneco em posição de lótus, dentro de uma decoração branca que de longe, à noite, ficava nítido que representaria a flor de lótus. Uma coisa vista de forma negativa foi a utilização de treliças de metal, que tiraram um pouco daquele tom natural e roots do palco, mas honestamente, nada que estragasse a ambientação.

303 STAGE

Mais uma vez roubando a descrição oficial, “o 303 Stage é o pulmão [do UP11], que absorve todo o oxigênio da cena, misturando o sangue novo da psicodelia a renomados artistas que influenciaram toda essa geração de artistas”. Uma iniciativa muito bacana, mas talvez o excesso de artistas desconhecidos (por melhores que fossem) fez com que este tenha sido o palco com menor público ao longo do festival. Apesar disso, o fato de ter muito sangue novo o torna importantíssimo para a renovação da cena, tanto que foi lá que foi “revelado” um dos nomes que promete bater ponto no Brasil neste ano: Grouch.

O mais impressionante é que ele sequer estava bookado: em cima da hora alguns estrangeiros tiveram que cancelar suas apresentações por não terem conseguido visto de entrada no Brasil, e ele foi um dos chamados para cobrir o problema. Ele inclusive estava com ingresso comprado para ir ao festival como expectador! O neo-zelandês se apresentou duas vezes: no Main Stage e no 303 Stage, mas foi neste que mandou o set que está na memória de muita gente ainda.

Destacados aqui também foram as festas da TropiKalien, de dark, e da Mosaico Records, de groove. A decoração ficou a cargo de artistas de Brasília e Lello.

UP CLUB

Assim como o Tribe Club, a proposta deste stage era simular a céu aberto o ambiente dos clubs. E sinceramente, o clubinho à beira da praia de Pratigi é de dar inveja a muita casa Brasil afora! Apoio de peso não faltou: mais de 10 selos assinaram festa dentro desse palco, como Heaven & Hell, Tropicalbeats, Air London, The Rebel Agency, Inner, Synk, Mixmag, House Mag.

O destaque para a grande massa naturalmente que foi o Felguk. Naturalmente também que mandaram a chacoteira que já conhecemos, uma pena. O interessante é que desta vez contextualizaram o live deles: no dia 2 tivemos uma tarde só de electro, com direito a Electrixx, Dirtyloud e Tim Healey! Para quem gosta, um prato cheio, mas foi impossível não estranhar o electro rasgado dentro de um UP.

Particularmente, considero a noite da virada o destaque do UP Club. Alok mais uma vez mostrou que não é só o filho-do-dono e mandou um tech house de muita qualidade, Khainz tocou seu híbrido de prog e techno já consagrado, Fusi & Falabella apelaram para tracks de gente como Boris Brejcha e Stephan Bodzin mas não decepcionaram, SQL e Sheff (aka Captain Hook) fizeram o primeiro dia do ano amanhecer com o peso que merecia. Nos outros dias, diversos sets maravilhosos, que mais uma vez não poderemos citar um-a-um para não sermos injustos com os que perdemos.

Sobre ambientação, além da tenda inovadora (que à noite te fazia jurar estar dentro de uma balada) havia também um telão inovador, que parecia um colchão inflável gigante. Três projetores jogando na tela o trabalho de VJs de verdade (nada de “vamo fritá galera” e coisas do tipo) completaram a reprodução praiana de um club. Tudo trabalho da junção de Arte.Ficial e Laborg. Porém, infelizmente outra coisa colaborou para nos sentirmos em um balada: era a pista com mais lixo no chão. Uma pena.

CONCHA ACÚSTICA

Ah, a Concha Acústica. Novo nome para o velho conhecido Palco Paralello, este era o meu ambiente favorito do festival (psyzeros gonna hate). Foi na Concha que encontrei a maior diversidade cultural, era lá que era possível ver instrumentistas de todo tipo, DJs tocando os sons mais alternativos, era lá que era possível viajar de verdade ao som do downtempo e do chill out. O som menos agressivo, o mar ao lado, a belíssima decoração, enfim, tudo contribuiu para que fosse um dos palcos mais prestigiados (estava quase sempre lotado) e elogiados.

Foi lá que aconteceu o melhor show do festival (e mais uma vez, psyzeros gonna hate): Arnaldo Antunes. É irônico que em um festival voltado para a música eletrônica isso aconteça, mas se você, leitor, realmente abraça a causa da diversidade e do respeito, você irá aceitar minha opinião. Voltando ao foco, a banda de Arnaldo Antunes (que tem ninguém menos que o mestre Edgar Scandurra nas guitarras) criou na noite do dia 29/dez um clima de reflexão, de respeito, de satisfação incrível. O som instrumental te colocava em transe, e as letras muito bem escritas davam produtividade à trancendencia. Não à toa que o melhor after video já feito para o UP11 usa músicas dele como fundo. Sugiro a todos agora pararem para ver esse video de 10 minutos e refletir:

Forte, né? O design e estrutura da Concha foram concebidos por Michelle Petrillo & Equipe e ambientados por Naiana Motta, Talita Vilela e equipe. Além de tudo, era a tenda mais bonita do local.

A EXPERIÊNCIA

Depois de tudo isso, paramos e nos perguntamos… Por que o Universo Paralello é único? O que o torna algo tão acima do resto, por que todo mundo volta dizendo que foi a melhor experiência de suas vidas e acaba retornando ao evento ano após ano? O UP é uma experiência antropológica, sociológica. Depois de passar uma semana em um festival com mais de 15 mil pessoas, no qual não existem brigas, todos se respeitam, ninguém fica feio e vergonhoso por exagerar nas drogas (eu desafio qualquer a me mostrar um video de alguém passando mal no UP), você percebe o quão lixo é o nosso mundo real. Você começa a refletir coisas como por exemplo… Quanto nós gastamos para nos proteger de nós mesmos? Afinal, boa parte do orçamento de um evento (seja rave, micareta, balada) é com seguranças. Por que temos necessidade de nos mostrar, de enaltecer nossas posses? Lá, todo mundo é igual, está de bermuda ou biquini e havaianas, dançando a mesma música e pisando no mesmo solo. Por que há tanta interferência na liberadade alheia? Lá as pessoas fazem o que desejam sem interferir na liberdade dos outros, e ninguém reprime isso. Há quem use drogas, há quem não use, há quem ande pelado pelas ruas, há quem passe o dia na praia, há quem passe o dia na pista, há quem faça artesanato, há quem faça música… Arrisco dizer que lá existe um conceito de sociedade utópica.

Quem vai ao UP começa a refletir sobre tudo, e é isso que o torna tão especial – é quase como tomar a pílula vermelha de Morpheus. Quem vai ao Universo Paralello jamais será a mesma pessoa, e esse é o fato de todo o review que todos vocês irão concordar. Que dure por muitos anos, e nunca perca a sua essência!

PS: Mais fotos do Universo Paralello você pode conferir na nossa fanpage!

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