DJ Set: jukebox, top 10, repetições ou novidades?

Publicado em 21/11/2012 - Por

Inicia o primeiro DJ set da festa, que prometia, no flyer, trazer o melhor da música eletrônica, com diversas sonoridades e as novidades deste gênero musical. O line-up estava repleto de DJs reconhecidos da cena local, o que garantiria, a princípio, qualidade técnica, estética, e, sobretudo, musical ao evento.

A primeira artista em palco apresentava um repertório que mesclava referências do House e Progressive House. Em tese, os grandes diferenciais musicais começariam ali.

A cada mixagem, entretanto, a DJ contradizia a proposta prometida para o evento. Trazendo um festival de faixas exaustivamente apresentadas em rádios especializadas, a artista se contentou em executar o tradicional, sem nenhum material realmente diferente e novo. O DJ que tocaria a seguir acompanhava tubo bem ao lado.

– Vai ver que é a proposta dela – pensei.

O próximo, então, se encarregaria de trazer os tais diferenciais, acreditei.

A apresentação tecnicamente fraquíssima, com diversos erros de discotecagem básica, definitivamente não foi o que me deixou mais estupefato. Muito menos a presença de palco inodora, insípida e incolor.

O mais surpreendente foi ver, ou ouvir, que, mesmo o DJ tendo acompanhado a apresentação anterior inteira da colega, não se envergonhou de repetir metade do repertório discotecado antes. E não eram remixes das mesmas faixas ou elas executadas em uma performance diferenciada. Eram meras repetições, sem dó e sem, muito menos, piedade. Basicamente, o mesmo repertório.

O DJ set terminou. A festa, mais tarde, também. E a minha sensação de que cenas como essa têm sido mais e mais comuns, porém, permaneceu mais ativa e intensa do que nunca.

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Horas de festa em que os artistas não se preocupam mais em apresentar os diferenciais, o novo, o repertório surpreendente e que faça o ouvinte viajar em experiências nunca antes sentidas. O grande foco, hoje, é repetir o que já se conhece, DJ após DJ, como se essa técnica garantisse o reconhecimento que tanto se almeja. Além disso, as facilidades que o “Top 10”(grupo das dez faixas mais compradas nos sites de vendas) oferece para a pesquisa também têm transformado os sets em meras repetições ou compilações do óbvio.

Estamos todos tocando a mesma coisa.

E o pior: não estamos dando a mínima para isso.

O meu exemplo particular no início do artigo resume algo que tenho visto cada vez mais: os DJs estão se transformando em jukeboxes ambulantes, em Soundclouds ambulantes.

A função dos DJ sets tem se corrompido e se perdido, no Brasil, ao longo do desenvolvimento do cenário da música eletrônica e da tecnologia: esquecemo-nos que, por décadas, fomos os responsáveis pela apresentação da sonoridade nova, do “nunca ouvi isso antes”. Nosso foco, hoje, tem sido o exercício preguiçoso de apenas repetir o que já se faz sucesso, o que já é o mais vendido, sonhando, com isso, atrair fãs por conta da reapresentação de sons que já se conhece. Cria-se um ciclo vicioso, onde o público se acostuma com a repetição, e o DJ, com tocar mais do mesmo.

HISTÓRIA DOS DJ SETS

No início desta profissão, a grande busca do DJ era pela sonoridade diferente, o track diferente, que ninguém possuísse: a exclusividade. Por horas, ficava-se ouvindo diversos vinis para que, além de se conhecer materiais novos, se descobrisse a faixa especial, que tornaria o artista reconhecido por conta daquela música única. O princípio da exclusividade, por décadas, foi um dos grandes estandartes da discotecagem.

O desenvolvimento das tecnologias, em especial a internet, facilitou em grande escala a pesquisa de conteúdo, bem como o acesso a EPs que antes eram praticamente inalcançáveis. Os DJ sets passaram a incorporar faixas que antes eram propriedade de grandes artistas, descobertas através dos tracklists publicados ou outros métodos. Os sites de comercialização de faixas, ao mesmo tempo em que abriram o universo de pesquisa do DJ, facilitaram também a busca pelas músicas mais tocadas. Nessa linha, as formas de donwload ilegal de repertório finalmente contribuiram muito a obtenção de materiais somente acessíveis através de compra.

A VALORIZAÇÃO DA MESMICE

Por conta disso, ao longo dos últimos anos, tornou-se cada vez mais comum ouvirmos frequentemente as mesmas faixas em diferentes DJ sets, e muitas vezes durante um mesmo evento, por mais surreal que possa parecer. E o pior: os DJs parecem não ter a menor vergonha de reexecutar o que já foi apresentado numa mesma noite, por exemplo, ou várias vezes em várias apresentações, sem abrir brechas para novodades verdadeiras. O que importa é o “gritinho da galera” puro e simples, que vibra com mais do mesmo. Não atuamos como educadores, e sim como covers clássicos.

Os hitstem se transformado em pseudo-diferenciais de sets. A preguiça que a tecnologia proporcionou aos DJs tem feito com que a “olhadinha básica” nas faixas mais executadas ou vendidas se torne a referência principal para a pesquisa de conteúdo, fazendo com que seja cada vez mais habitual ouvirmos a mesma coisa em vários e vários trabalhos. Temos acostumado o público nas pistas com a reapresentação do mesmo, sem que nos esforcemos minimamente para proporcionarmos o novo e legitimar a função clássica do DJ: a apresentação do diferente e único.

Não tocamos mais nada nosso. Tocamos literalmente coisas dos outros.

Não temos mais individualidade. Nos transformamos em vitrolas.

A ACEITAÇÃO DA CENA

Tenho ouvido muitos artistas reclamarem que a cena não tem absorvido sons diferentes. Mas uma grande parcela de culpa é do próprio DJ, que se desacostumou a pesquisar com profundidade e a valorizar a sonoridade individual. Pelo contrário, se tornou refém do Shazam e afins e passou a valorizar mais o que faz sucesso com os outros do que aquilo que possa ser o seu diferencial e que faça parte da sua própria musicalidade.

E não estamos nos mexendo para mudarmos isso.

Perdemos nossa essência.

Devemos, claro, considerar que há propostas artísticas que trabalham com a discotecagem de faixas populares. Mas mesmo estes trabalhos não têm apresentado diferenciais interessantes dentro desta perspectiva: nem os remixes, antes bastante valorizados por serem novas leituras de materiais conhecidos, têm mantido espaço.

Ao transferirmos a responsabilidade para o público pela falta de diferenciais musicais, negamos nossa essência enquanto DJs, responsáveis por abrir os ouvidos de todos para as novas referências musicais.

A falta de diferenciais no set provoca, em minha análise, dois problemas futuros para a carreira do DJ: o DJ passa a ser reconhecido por executar apenas o cliché. Por conta disso, o sucesso momentâneo que alcance tende a acabar ao longo do tempo, uma vez que o gosto popular muda com facilidade, historicamente. No seguro caso, promove ao DJ apenas um reconhecimento mediano, uma vez que seu trabalho atrai pelo convencional, algo que todos podem tocar, mas não oferece o novo, item que somente a profundidade de pesquisa e a sensibilidade musical pormenorizada podem promover.

DIFERENCIAL: PRIMORDIAL PARA O VERDADEIRO SUCESSO

A educação do público passa por nós, pelos artistas que movem as pistas. Se não nos inclinarmos à apresentação do novo, do diferencial, continuaremos tornando a cena um mero reflexo do senso comum, o que poderá, em uma análise maior, reduzir os espaços de atuação para todos. Precisamos entender que o especialista é o DJ: por conta de seu sempre valorizado trabalho e senso de pesquisa, o público passa a desfrutar de novos estilos e sonoridades. Com o desenvolvimento da musicalidade de cada artista, as formas de percepção de materiais realmente bons se ampliam e, com o conhecimento do ambiente em que se toca e do público que se visa atingir, um bom repertório pode ser bastante eficaz, sem que seja necessário apelar para o óbvio em todos os sets.

Precisamos ouvir mais música. Boa música.

Devemos aprimorar nossa musicalidade; darmo-nos a chance de ouvirmos aquilo que gostamos ou não com mais sensibilidade crítica. É fundamental que busquemos entender o que nos agrada ou não, o que pode agradar o público ou não, independentemente de ser o hitou não. Este conceito atual que o DJ possui de que é preciso tocar sempre as faixas conhecidas para se destacar pode ser eficaz em algumas situações, mas, em longo prazo, torna o trabalho deste profissional obsoleto e ultrapassado com facilidade. Ouço com frequência durante minhas aulas alunos que gostavam muito de determinados DJs e que perderam este encanto por enjoarem de sempre ouvirem as mesmas coisas nos sets deles.

A faixa perfeita não surge no grupo das mais vendidas. Um repertório com verdadeiro diferencial se desenvolve ao longo do tempo, conforme nossa sensibilidade musical cresce. Evidentemente, é possível possuirmos referências populares em nosso tracklist, mas se este material possuir nossa musicalidade ganhará mais destaque do que a execução simples do track original, uma vez que o que se tem é um material com nova roupagem sem perder a essência clássica.

Tudo isso é o que confere individualidade ao nosso trabalho, e faz com que ele perdure por muito tempo.

No momento em que ouvirmos uma faixa que gostamos muito no trabalho de outros artistas e quisermos a tocar, pensemos que é uma chance de buscarmos algo diferente e mais surpreendente. Ao invés de ficarmos referenciados por tocar aquilo que todos já tocam, fazendo com que permaneçamos num limbo artístico, busquemos nos tornar referências, nos destacando pela apresentação de sons novos e diferentes, que podem nos alavancar a um patamar maior e de real destaque.

Tornemo-nos, enfim, os responsáveis pelo som novo.

Vamos resgatar os verdadeiros DJ sets.

Voltemos a ser novamente DJs.

 

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