Entrevista: Daksinamurti

Publicado em 15/11/2015 - Por Marina Tavares

Marina Tavares – Quando foi o seu primeiro contato com a música e como foi o início da sua carreira?

Daksinamurti – Eu tive o meu primeiro contato quando era adolescente. Techno, música com formula barata e rotulada para pista de dança (onde um cantor de rap sem talento e uma vocalista mulher cantavam para uma cafona, mas interessante batida) era a música Pop na época. Na Alemanha, todas as crianças estavam familiarizadas com grandes eventos como Mayday e Love Parade, que eram transmitidos na TV ou rádio. Todas as sextas, tinha um show chamado HR3club night, que nós ouvíamos ocasionalmente. Então, o Techno era meio que uma música Pop. Embora isso não me interessasse, porque eu ouvia mais rock, world music, punk, e reggae. O meu primeiro contato com música psicodélica foi no “Burg Herzberg Festival”, uma reunião hippie que começou em 1960, e acontecia próxima a minha cidade natal. Eu fui pela primeira vez aos 14 anos, e nos anos seguintes, ouvi muitas bandas como Gong and Hawkwind, como também os heróis da geração do Woodstock, que me influenciaram muito, e que ainda ouço hoje em dia. Eu sabia que existia Goa Trance, e o primeiro flyer que vi foi da festa Return to the Source, em Camden Town, em 1990. Alguns dos meus amigos ouviam Goa Trance, e eu não tinha nem um ou dois CDs duplos ou fitas cassetes. Em 1999, eu descobri as praias de Goa, um lugar onde as pessoas podiam voar. Entretanto, eu comecei a colecionar música quando voltei para casa, e estava sempre na caçada para achar a essência disso, que mexeu comigo. Nas festas da Alemanha, na época tocava mais música progressiva, que eu achava monótona e chata, e era diferente do que descobri na Índia. Após algum tempo, eu queria compartilhar o meu gosto musical, e comecei a tocar em pequenas festas e eventos na Alemanha, e nas minhas viagens para Índia, Tailândia, e outros lugares. As coisas mudaram após conhecer Andy do Lemurians, e Shiva Jörg do Shiva Space Technology, que me levaram a fazer uma compilação em 2005. No mesmo ano, eu comecei a tocar em festivais no verão, e lancei o CD “Spiritually Spaced Out”, no começo de 2006. 2007 foi um ano depressivo para mim, porque eu fui preso junto a 280 pessoas em Pune, na Índia, simplesmente porque estava em uma festa. Isso foi o lugar errado na hora errada, mas eu aprendi muito dessa experiência. Eu fui preso por policiais corruptos e famintos, que com a ajuda da mídia sensacionalista, intencionalmente alegaram falsas acusações contra mim e muitos outros. Sem a ajuda da minha família, que vieram e lutaram por mim, tanto quanto a solidariedade da comunidade do Psychedelic Trance, eu não estaria onde estou agora. Muitas coisas que eu costumava gostar, não significavam mais nada para mim. Uma das coisas que senti que me ajudou foi a música. Então, para resumir uma longa história, muitas coisas incríveis e mágicas aconteceram depois daquilo. Eu sou abençoado com as pessoas que conheci, e os lugares que tenho visto. E sou feliz de ainda estar tocando, fazendo as pessoas dançarem, e sorrirem após todos esses anos. Em um mundo artificial, que é geralmente hostil e bruto, isso é algo real e puro. Eu não poderia querer outra vida.

Marina Tavares – Como você criou o projeto Daksinamurti?

Daksinamurti – Simplesmente aconteceu e eu cresci com isso! Há alguns anos, eu comecei a tocar com meu amigo sul-africano Josef (Tickets) como “Android Spirit”. Até agora, nós temos um álbum laçado pela Timecode Records, um EP pela BMSS Records, e várias tracks em compilações de gravadoras como Sangoma, Blue Hour Sounds, Phantasm, Digital Psionics, Fractal, Forestdelic, entre outras. Eu acho que a música do projeto Daksinamurti se tornou madura. Eu gosto de várias divisões da música psicodélica, que tento incorporar em uma história. A maior parte é possível somente em sets longos, que eu prefiro tocar hoje em dia. Um set de uma ou duas horas não fazem isso, e me deixam insatisfeito, porque eles apenas alcançam a superfície do que eu pretendo fazer. 

Marina Tavares – Quem foram as suas influências?

Daksinamurti – Geralmente falando, a vida e as pessoas a minha volta me influenciam. Musicalmente, eu fui influenciado por muitos artistas da TIP Records e Simon Posford, entre outros. Com certeza, artistas como Scorb, Shift, Artifakt, Lemurians, Parasense, tiveram um grande impacto, e mais recentemente Ajja e a música do Gaspard.

Marina Tavares – Quais são os seus três álbuns favoritos de todos os tempos?

Daksinamurti – Essa é uma pergunta difícil! Eu poderia fazer uma lista grande, mas esses vêm em minha mente no momento:

Frank Zappa – Apostrophe' / Overnite Sensation (1986)

Grateful Dead – American Beauty (1970)

Gong – Flying Teapot ou Pink Floyd (1973) – A Saucerful of Secrets (1968)

E Psychedelic Trance:

Hallucinogen – The Lone Deranger (1997) ou Shpongel (1999) – Are you Shpongeled? (1998)

Artifakt – Artifakts 2 (2005)

Scorb – Scorb (2003)

 

Marina Tavares – De onde você tira inspiração para criar novas músicas?

Daksinamurti – Normalmente quando estou produzindo, as ideias começam com um tema ou amostra que tenho em mente – muita inspiração vem de boas festas ou festivais. Desde que comecei a tocar DJ sets, eu tenho ideia do que funciona, e o que não funciona nas pistas de dança. Produzir me deu uma nova perspectiva. No final, embora as ideias possam ser um pouco abstratas, eu quero que isso seja uma música dançante, sem ser muito prevista. Eu acho que também é importante ter um tempo longe das festas, eu tiro algumas semanas do ano para viajar e explorar. Após isso, a música soa nova com sua essência novamente, o que me faz continuar.

Marina Tavares – Onde foi a apresentação que mais te marcou?

Daksinamurti – Talvez Boom 2012 ou Ozora 2015… Mas existem muitas outras grandes memórias!

Marina Tavares – Fale-me um pouco sobre a Sangoma Records.

Daksinamurti – A Sangoma Records foi fundada em 2011 – por mim e meu sócio Emiel. Nós lançamos músicas que tenham foco na qualidade e arte, mas que mantenham o conceito musical aberto. Agora sinto que estabelecemos um estilo particular. Até agora, nós lançamos onze CDs, três em colaborações com outras gravadoras, e um monte de EPs. A gravadora começou como uma sub gravadora da sul-africana Timecode Records, mas rapidamente, nós achamos a nossa própria identidade. O nome Sangoma refere aos curadores e pajés da África, que todos nós humanos originamos. Nós estamos apenas no início da nossa missão, mas alcançamos muito com quatro anos, e achamos um grande time de amigos, e temos um grupo legal de apoiadores, o que nos faz seguir em frente. Nós encontramos um monte de talentos do Brasil, e agora assinamos com projetos como Via Axis, Diksha, Babagoon, e Purist, que nos impressionaram muito. Nós esperamos mostrar mais a nossa presença no Brasil, e todo continente da América do Sul no futuro! Nós temos muitos lançamentos planejados para 2016, então esperem mais surpresas. A música por si mesma é como uma medicina, que tem habilidade de criar cultura, superar barreiras, preencher pessoas e, portanto fazer elas felizes e saudáveis. Eu irei tocar no Universo Paralello, ao lado dos artistas da nossa gravadora. Faz um tempo desde a última vez que estive aí.  

 

Marina Tavares – Quais são as diferenças da cena eletrônica da Alemanha e Brasil?

Daksinamurti – Eu acho que os brasileiros amam dançar e celebrar. Na Alemanha, parece que, às vezes, isso depende mais do álcool do que realmente dançar e curtir si mesmo. Dançar para alguns não é considerado legal, e reclamar sobre a música parece ser um tipo de hobby. Por outro lado, eu acho que as pistas de dança no Brasil, às vezes, falta um pouco de energia nos festivais durante a noite. O que eu fico surpreso, é que um simples Progressive Trance Offbeat, tenha um impacto tão grande nas pistas de dança e tantos seguidores. No final do dia, existem vantagens e desvantagens em todos os lugares, e isso depende do que você faz sobre isso. E sim, mais uma observação é que no Brasil parecem gostar muito de tatuagens…

Marina Tavares – Existe algum lugar que você nunca tenha se apresentado e realmente queira tocar?

Daksinamurti – Eu iria amar tocar e visitar os seguintes países: Mongólia, Nova Zelândia, Coréia, Butão, China, Jamaica, Peru… Quanto mais eu penso sobre isso, mais lugares vêm a minha mente!

 

Marina Tavares – O que você é apaixonado na vida, além da música?

Daksinamurti – Eu tenho estudado culturas antropólogas e etnológicas por quase nove anos, então com certeza, acadêmicas são alguns dos meus interesses, especialmente cultura, religião, e filosofia. Eu tenho escrito minhas teses sobre xamanismo em Nepal, e esse tópico ainda ressoa comigo. Eu amo viajar e explorar novos lugares! Eu amo o oceano, então nadar e mergulhar são algumas das atividades que gosto bastante. Eu também amo sauna – um ritual xamanístico, que ainda permanece com nós no mundo ocidental, e está purificando de um modo saudável, e até com alguma extensão psicodélica.   

Marina Tavares – Quais são as novidades em relação aos lançamentos e turnês?

Daksinamurti – Este ano eu lancei duas compilações, TanukiTandava junto com meus amigos japoneses Buzz do Kobe, e Himavat Dana; uma compilação beneficente que trabalhei com Upavas e Emiel, após o terrível terremoto que eu e muitos amigos testemunhamos em Abril, que aconteceu em Nepal. Para 2016, eu tenho uma compilação quase pronta, e algumas ideias de colaborações que serão reveladas em breve. Também começamos a trabalhar no próximo álbum do Android Spirit, e também em outro EP para Digital Om, da Índia.

Sobre turnês, eu tenho alguns festivais confirmados nos Estados Unidos em Junho, Japão em Outubro, e se tudo correr bem, eu irei voltar na África do Sul! Eu ainda tenho algumas datas abertas, que aos poucos são preenchidas.

Marina Tavares – Gostaria de finalizar com uma mensagem para os seus fãs?

Daksinamurti – Obrigado pelo interesse e apoio após todos esses anos! Agradecimentos especiais para as raras espécies que dão apoio e ainda compram música – isso nós faz continuar, mesmo quando estamos com asas quebradas. De algum modo, é uma loucura que os festivais psicodélicos nos dias de hoje vendam todos os ingressos, e alcançamos novos ouvidos. É um estranho desenvolvimento que os preços dos convites aumentem em ordem de pagar os vôos de primeira classe para alguns, enquanto outros artistas e gravadoras se esforçam tanto. O Psychedelic Trance não deveria ser um privilégio para alguns poucos afortunados, que podem pagar qualquer coisa e apenas adicionam um pouco de pitada para o seu estilo de vida hedonista. Eu acho que, talvez seja melhor manter as coisas underground, saudáveis e democráticas, do que desenvolver na cena EDM. A nossa cena é tão cheia de criatividade e artes não descobertas, que merecem ser compartilhadas com a nossa audiência, e não deveriam ser deixadas para artistas que têm as melhores habilidades de marketing ou nas mídias sociais. Eu vejo muito potencial no que podemos alcançar e, portanto mudar a sociedade – vamos usar isso para fazer o bem e algo significativo para todos. A cultura psicodélica dos anos 60 mudou o mundo de uma forma selvagem, que fundaram a liberdade que nós aproveitamos hoje em dia. Quem sabe, talvez a segunda revolução psicodélica esteja chegando!    

Foto: Murilo Ganesh

 

Interview in English here: 

https://www.dropbox.com/s/azhhq3uirwkncww/Daksinamurti.docx?dl=0

 

Conheça mais sobre o artista:

https://www.facebook.com/Djdaksi/

https://soundcloud.com/daksi

https://www.mixcloud.com/daksinamurti/

 

Sangoma Records:

http://www.sangomarecords.com/

https://www.facebook.com/sangomarecords

https://soundcloud.com/sangoma-recs

https://www.youtube.com/user/gatafreak/

 

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