Review – Creamfields BA (Buenos Aires) 2012

Publicado em 12/11/2012 - Por Mohamad Hajar

No último fim-de-semana, fomos à Buenos Aires para conhecer o famigerado Creamfields da cidade, o maior festival de música eletrônica da América do Sul. Porém, para o review ficar mais completo, terei que extrapolar os limites do evento e falar um pouco sobre a cultura local.

É um senso comum entre os brasileiros que os argentinos são mais “culturalmente ativos” que nós: a valorização do tango como cultura nacional, o cinema de altíssima qualidade, a grande quantidade de teatros, museus e óperas na cidade, as leis que obrigamos TODOS os bairros a terem no mínimo uma biblioteca e uma livraria… Enfim, eles podem ter uma economia muito mais acabada que a nossa, mas até o mendigo da esquina valoriza cultura como uma das coisas mais importantes que existem.

E isso se reflete na EDM: em BsAs, não existe uma segregação entre “música normal” e “música eletrônica”. Ao conversar com os locais, desde recepcionistas de hotel até guias turísticos, nota-se que para eles o Creamfields é um grande evento benéfico para a cidade, assim como o Rio de Janeiro trata o Rock In Rio, ou São Paulo trata o Lollapalooza. Ao entrar em lojas na cidade, todas as rádios-ambiente tocavam música eletrônica, mas não as Guettadas de 4 minutos que rolam na Jovem Pan: DJ sets mesmo, de big room, techno, prog house e outros estilos. E falando em rádio, o palco ENTER. (do Richie Hawtin) foi patrocinado pela Delta FM, uma rádio local.

Pois bem, já que tocamos no evento, vamos a ele de uma vez. Cerca de 50 mil pessoas estiveram no Autódromo de Buenos Aires, para presitigiar algumas das 64 atrações que tocaram nos 8 palcos que foram montados. Ao entrar na festa, a primeira coisa que chama a atenção é a ausência de decoração: apesar dos palcos patrocinados (ENTER., Cocoon Heroes e Speeed Unlimited) terem tido algumas “pirinhas” envolvendo videomapping e projeções, não chegou nem aos pés das Tribaltech e Kaballah que temos por aqui. O evento todo tinha a cara e a dinâmica de um show de rock. Desde os horários, as estruturas e o próprio local aonde foi realizado, dentro da cidade, tudo lembrou um Rock In Rio ou Lollapalooza da vida. O palco principal, o maior que já vi em festival de EDM até hoje, tinha um sound system absurdo e o painel de LED com a maior definição que já vi. Era tão bom que até valeu a pena se sujeitar a ver 20 minutos de David Guetta só pra apreciar o trabalho incrível que o VJ estava executando.

 

Guetta que, aliás, dá vergonha de ver. Um senhor de 46 anos, que tem mais de 20 anos de estrada na história da música eletrônica e muito já contribuiu para o crescimento do house, hoje toca remixes de pop americano (Akon, Rihanna e afins), enquanto faz coraçãozinho com as mãos para o público. Lastimável o que o dinheiro não faz com uma pessoa… Sei que é algo que todos já sabíamos, mas eu precisava ver com meus próprios olhos pra comprovar e criticar aqui.

 

Falando agora de música e músicos de verdade, a festa estava repleta de artistas que são “semi-deuses” no Brasil: Richie Hawtin, Sven Vath, Dubfire, James Zabiela, entre outros. De todos eles, o melhor sem dúvidas foi o papa Sven. A impressão foi que ele fez um “compacto” do seu set de 9 horas na Kaballah: 2 horas de pura música dançante, envolvente, com mixagens perfeitas. Uma obra-prima! Os outros, cada um “pisou na bola” de alguma forma: Hawtin foi longe demais em suas misturas de vários decks. A música ficou desconexa demais, com mais cara de Plastikman do que de Hawtin. Friamente analisando, ainda é um som excelente, mas para o contexto não foi legal. As pessoas não esperavam isso, e a super-lotação do palco ENTER. quando ele tocou não ajudou também. Zabiela foi traído pelo sound system: seu set estava muito bom, mas por algum motivo os graves da Cream Arena falharam na sua vez de tocar, e o público não conseguiu curtir o som. Já Dubfire pecou pelo excesso de sutileza. Em seus long long sets no Warung funciona pois ele tem tempo pra trabalhar o público, mas as duas horas que ele tinha no Creamfields não foram suficientes para criar o clima ideal: acabou parecendo um som repetitivo demais.

 

Falando em novos nomes, provavelmente a melhor revelação foi Matador: a nova cria da Minus tocou um set de apenas uma hora, mas foi o suficiente para mostrar seu valor. Músicas com muita personalidade e com uma aceitação muito boa da pista. É um nome para se observar e torcer para vermos no Brasil em 2013! Além deles, tivemos também boas apresentações de gente como Hernán Cattaneo, Mathias Kaden, Art Department, entre outros que já são velhos conhecidos do povo do sul do Brasil. Até o Infected Mushroom se apresentou lá com sua banda, em um palco psytrance bem divertido, com alguns artistas locais de muita qualidade.

Artistas locais que, aliás, foram muito valorizados pelo evento: todas as pistas tinham DJs argentinos, isso sem contar no Speed Unlimited Stage, que era só de locais (algo como o Track Top Stage da Tribaltech). Na pista principal, alguns grupos fazendo lives criativos, como um que usou uma Reactable, e outro que era uma banda com instrumentos e sintetizadores. Por mais que o som não fosse de nosso agrado, foi interessante ver o reconhecimento que a organização do evento teve pela cena local, mesmo sendo uma franquia inglesa.

Voltando à estrutura do evento, outro ponto que merece críticas é o bar e a praça de alimentação: extremamente desorganizados, e com preços “sem noção”: uma água custava 20 pesos (o equivalente a 8 reais), o mesmo preço de uma lata de energético, porém, haviam alguns “pontos de hidratação”, aonde era feita a distribuição gratuita de água. Não eram de fácil acesso e jamais supririam o volume de atendimentos do bar, mas era uma opção para quem quisesse economizar. A Quilmes estava sendo vendida a 35 pesos: módicos 14 reais por uma cerveja! Destilados sequer estavam sendo vendidos no bar comum – apenas a área VIP tinha este privilégio. Para alimentação, pouquíssimas opções: salgados, que acabaram no começo da festa, e um pão com hamburguer (só isso mesmo, nem queijo tinha) que custava o equivalente a 8 reais.

Por outro lado, a segurança foi muito tranquila: a revista foi totalmente respeitosa, e dentro da festa os seguranças eram prestativos e bem humorados. Vale lembrar que na Argentina não é crime fumar maconha e portar pequenas quantidades, o que deixou a festa com o cheirinho característico de shows de reggae.

E porfim, o ponto mais surpreendente e positivo: o público. Tentem lembrar a festa com o público mais empolgado e feliz que vocês foram no Brasil. Pensaram? Este com certeza era muito mais. O que pode-se ver é que na Argentina as pessoas vão para a festa com o intuito claro de se divertir, e não se importar com aparências ou preconceitos, mesmo sendo um festival com sonoridades comerciais. Todas as pessoas dançavam com vontade, com sorrisos no rosto, pulavam, gritavam e até cantavam junto quando existia vocal! Até mesmo os apitos e bexigas de gás, que no começo causam estranheza e irritam, depois de um tempo você acostuma-se a eles e passa a achar divertido também.

No fim, a conclusão a que se chega é que sim, o Creamfields é o maior festival da América do Sul, mas ainda está longe de ter a estrutura de um europeu. A viagem valeu a pena pela quantidade de DJs de ponta que pudemos ver em um único dia, e pelo público, que fala menos e dança muito mais.

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EXTRA! Como a festa tinha 8 palcos e nossa equipe não deu conta de visitar nem metade das apresentações, o leitor Ingo Sabage, que fez um roteiro completamente diferente do nosso, deu sua impressão sobre outros artistas. Confiram:

“Chegando na festa, após dar aquela geral, ver o tamanho do recinto, se localizar e ver o absurdo preço das bebidas, fui para o palco principal conferir o set de Guy Gerber. Apesar de um apagão no som, o público não arredou o pé e continuou agitando durante um set que considerei a preparação para os mais agitadinhos que viriam a seguir.

Depois entra Calvin Harris, já com um ar de megaprodução. Os primeiros minutos do set achei bem interessante. Apesar das mixagens básicas, feitas quase sempre no break das músicas, a seleção estava boa. Até ele começar a abusar dos vocais pop que todos conhecemos das rádios. Fui então conferir Cosmic Gate com a vocalista Emma Hewitt na Nation Arena, onde a popularidade do Trance na Argentina ficou óbvia. Tenda lotada. Até demais.

Alesso é um Swedish House Mafia com menos estrelismo. Para quem gosta do estilo, é um prato cheio. Mixagens rápidas, quase sem breaks, ótima seleção de músicas e muito agito da galera. Gostei bastante. Depois, fui para o palco principal ver o mestre Paul Van Dyk. Sempre sorrindo e pulando o dj contagiou a galera. Já vi ele tocar várias vezes, mas nunca com essa empolgação. Fez até um live da clássica For An Angel. Para mim, o melhor set do festival. Nessas horas a gente entende porque ele foi escalado para ser o último do palco principal. Segurou muita gente.

Acabei saindo meia hora antes do final para evitar o caos e conseguir pegar um táxi, inevitavelmente, por um preço abusivo.”

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