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{"id":12262,"date":"2020-06-25T08:16:24","date_gmt":"2020-07-09T01:38:37","guid":{"rendered":"https:\/\/psicodelia.org\/loja\/mdma-para-tratamento-de-estresse-pos-traumatico-e-testado-no-brasil\/"},"modified":"2020-06-25T08:16:24","modified_gmt":"2020-07-09T01:38:37","slug":"mdma-para-tratamento-de-estresse-pos-traumatico-e-testado-no-brasil","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/psicodelia.org\/noticias\/mdma-para-tratamento-de-estresse-pos-traumatico-e-testado-no-brasil\/","title":{"rendered":"MDMA para tratamento de estresse p\u00f3s-traum\u00e1tico \u00e9 testado no Brasil"},"content":{"rendered":"

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Depois de d\u00e9cadas silenciada pela onda proibicionista, a pesquisa com subst\u00e2ncias psicod\u00e9licas <\/a>vem conhecendo um renascimento nos \u00faltimos anos, impulsionada por resultados promissores no tratamento de transtornos mentais.<\/p>\n

Essa revolu\u00e7\u00e3o, como muitos chegam a descrever, passa pelo Brasil, onde um n\u00famero pequeno \u2014mas crescente\u2014 de pesquisadores se dedica ao tema. A esse grupo pertence o neurocientista Eduardo Schenberg, que liderou o primeiro estudo com MDMA para o tratamento de estresse p\u00f3s-traum\u00e1tico realizado no pa\u00eds.<\/p>\n

MDMA, ou metilenodioximetanfetamina, princ\u00edpio ativo do ecstasy<\/a>, est\u00e1 em vias de se tornar a primeira droga psicod\u00e9lica a receber a licen\u00e7a de rem\u00e9dio nos EUA, na forma de adjuvante em terapia para estresse p\u00f3s-traum\u00e1tico. A subst\u00e2ncia encontra-se na \u00faltima fase de testes cl\u00ednicos, com resultados at\u00e9 agora bastante promissores.<\/p>\n

A mudan\u00e7a de paradigma tem como um de seus principais propulsores o trabalho desenvolvido pela Associa\u00e7\u00e3o Multidisciplinar de Estudos Psicod\u00e9licos (Maps, na sigla em ingl\u00eas), organiza\u00e7\u00e3o americana fundada em 1986 que criou e vem disseminando o protocolo para o uso terap\u00eautico do MDMA.<\/p>\n

Foi esse protocolo que Schenberg, membro do Instituto Phaneros, trouxe e aplicou pela primeira vez em pacientes brasileiros \u2014e cujos resultados ser\u00e3o publicados em breve na Revista Brasileira de Psiquiatria.<\/p>\n

O pesquisador tomou contato com essa terapia por volta de 2014, quando fazia p\u00f3s-doutorado na Inglaterra, num curso oferecido pela Maps. “Eu conhecia alguns resultados deles, mas de uma perspectiva mais fria, de quem l\u00ea um artigo. No curso pude ver a coisa em a\u00e7\u00e3o, as sess\u00f5es com os pacientes. Aquilo me impressionou muito e decidi aplicar no Brasil”, diz.<\/p>\n

As dificuldades, contudo, foram maiores do que ele imaginava. Em primeiro lugar, pelos recursos. Ap\u00f3s uma busca frustrada por verbas p\u00fablicas e privadas, o pesquisador optou por um financiamento coletivo na internet. Mas a meta de R$ 50 mil s\u00f3 foi batida faltando dois dias para o fim \u2014do contr\u00e1rio, ele perderia tudo. A Maps contribuiu com mais R$ 50 mil.<\/p>\n

Depois, pela importa\u00e7\u00e3o do MDMA, tamb\u00e9m fornecido pela associa\u00e7\u00e3o americana. A ag\u00eancia de f\u00e1rmacos e alimentos dos EUA demorou mais de cinco meses para autorizar a exporta\u00e7\u00e3o do produto. Ocorre que a autoriza\u00e7\u00e3o brasileira, \u00e0 \u00e9poca, expirava em seis meses. “Era imposs\u00edvel realizar todo o processo em poucos dias. S\u00f3 com a ajuda de advogados, e por meio de um mandado de seguran\u00e7a, conseguimos concluir o processo.”<\/p>\n

Os quatro pesquisadores diretamente envolvidos no teste ainda passaram por uma capacita\u00e7\u00e3o nos EUA, onde se submeteram a sess\u00f5es de terapia sob efeito do MDMA. “Foi fundamental passar por essa experi\u00eancia, pois ela nos permitiu reconhecer melhor os efeitos da subst\u00e2ncia, al\u00e9m de nos dar mais seguran\u00e7a para atuar\u201d, diz Bruno Rasmussen, m\u00e9dico da equipe.<\/p>\n

Dos 60 volunt\u00e1rios brasileiros, apenas 3 cumpriram os rigorosos crit\u00e9rios para entrar no ensaio \u2014pessoas com estresse p\u00f3s-traum\u00e1tico grave, saud\u00e1veis, e que at\u00e9 ent\u00e3o n\u00e3o haviam respondido a nenhum tratamento.<\/p>\n

Antes do experimento, que mistura psicoterapia com o uso do MDMA, os pacientes passaram por tr\u00eas encontros preparat\u00f3rios, nas quais os terapeutas, Alvaro e Dora Jardim, buscaram estabelecer um v\u00ednculo emocional com eles, explicar os efeitos da subst\u00e2ncia e tirar eventuais d\u00favidas.<\/p>\n

Veio ent\u00e3o a primeira sess\u00e3o com MDMA \u2014de um total de tr\u00eas. Ap\u00f3s receberem a subst\u00e2ncia, os pacientes tiveram seus sinais vitais monitorados a cada meia hora. Cerca de duas horas depois, uma nova dose, de 50% a inicial, era oferecida, para manter os efeitos \u2014aceita por todos.<\/p>\n

Na sess\u00e3o, explica Dora, o volunt\u00e1rio deve ficar o mais introspectivo poss\u00edvel, a fim de entrar em contato com as pr\u00f3prias emo\u00e7\u00f5es. Assim, ficava numa poltrona, num ambiente de pouca luz e m\u00fasica tranquila, com tapa-olho e fone de ouvido \u00e0 disposi\u00e7\u00e3o.<\/p>\n

“Nosso papel era dar apoio, sem interferir em nada, para que ele expressasse as emo\u00e7\u00f5es e vivenciasse as sensa\u00e7\u00f5es que fossem surgindo. \u00c9 isso que faz o paciente trazer o trauma \u00e0 consci\u00eancia e, assim, elabor\u00e1-lo e integr\u00e1-lo”, conta Alvaro.<\/p>\n

“O paciente \u00e9 como uma canoa e os terapeutas, como os far\u00f3is que avisam onde est\u00e3o as pedras e os obst\u00e1culos, para que ele possa encontrar o seu caminho”, resume Schenberg.<\/p>\n

Em geral, a pessoa traumatizada encontra-se num estado de petrifica\u00e7\u00e3o emocional e desconfian\u00e7a profunda. O MDMA quebra esse escudo, facilitando o processo terap\u00eautico. “Do ponto de vista neuroqu\u00edmico, a subst\u00e2ncia bloqueia a comunica\u00e7\u00e3o com a am\u00edgdala, regi\u00e3o do c\u00e9rebro respons\u00e1vel pelo medo, e libera ocitocina, horm\u00f4nio que ajuda a criar v\u00ednculo interpessoal. O paciente ganha confian\u00e7a e perde o medo das pessoas ao redor, que se tornam, ent\u00e3o, ideais para ele se abrir e desabafar”, diz Bruno.<\/p>\n

Todos os pacientes apresentaram melhora expressiva. No pior dos casos, a redu\u00e7\u00e3o dos sintomas, calculado por uma escala, foi de cerca de 30%; no melhor, o paciente saiu curado.<\/p>\n

Foi o que aconteceu com Rafael (nome fict\u00edcio). Devido a um abuso sexual sofrido quando crian\u00e7a e a um assalto \u00e0 m\u00e3o armada quando j\u00e1 era mais velho, Rafael desenvolveu fobia social. “Eu evitava sair de casa, socializar. Morria de medo de ser ridicularizado”. Ele tamb\u00e9m desenvolveu uma tosse constante. “Fui a v\u00e1rios m\u00e9dicos, mas nenhum conseguiu interromp\u00ea-la.”<\/p>\n

Durante a sess\u00e3o, ele conta, muitos sentimentos vieram \u00e0 tona. “Eu senti raiva, tossi muito. Na \u00faltima sess\u00e3o, tive uma sensa\u00e7\u00e3o f\u00edsica muito forte de renascimento, como se estivesse realmente saindo do canal vaginal.”<\/p>\n

Depois do tratamento, a mudan\u00e7a foi grande. A tosse de d\u00e9cadas simplesmente sumiu, e ele passou a ter mais seguran\u00e7a tanto na vida social como no trabalho. “Passei a sentir que a minha vida estava boa. Pode parecer bobo, mas eu n\u00e3o sentia isso antes.”<\/p>\n

Embora o experimento tenha tido um n\u00famero pequeno de participantes, os resultados est\u00e3o em linha com os maiores estudos do g\u00eanero. “Nossos dados se encaixam muito bem nos resultados das amostras maiores da Maps, em que cerca de dois ter\u00e7os dos pacientes chega no fim do tratamento livre do diagn\u00f3stico”, diz Eduardo.<\/p>\n

Dentre as poss\u00edveis aplica\u00e7\u00f5es do tratamento com MDMA, Schenberg destaca uma que deve ser cada vez mais necess\u00e1ria no momento atual.<\/p>\n

“Estou muito interessado em criar um protocolo de tratamento com MDMA para os profissionais de sa\u00fade envolvidos na luta contra a Covid-19 e que ficaram traumatizados com o que viram nos hospitais. Isso pode inclusive tornar o sistema de sa\u00fade mais operante, dado que est\u00e1 cada vez mais claro que a doen\u00e7a n\u00e3o vai passar t\u00e3o cedo.”<\/p>\n

Como foi o experimento<\/strong><\/p>\n