Festivais Psicodélicos na Era Planetária – A Entrevista

Publicado em 04/09/2008 - Por Eliel Cezar

Já adiantando algo para vocês pensarem depois de ler a entrevista, prestem atenção na reposta à pergunta 3. É ótimo pensar que temos tanto potencial assim. Na real, só depende de nós propagar um movimento que traga reflexos marcantes para o futuro…Mas, vamos à entrevista: 1) No início deste ano, publicamos um artigo no Psicodelia falando sobre uma dissertação de mestrado que mostrou que as raves não poderiam ser consideradas territórios de libertação, ou Zonas Autônomas Temporárias (TAZ). No entanto, a leitura do seu trabalho permite verificar que, em relação aos festivais de trance, é possível sim que eles sejam caracterizados como espaços de maior libertação. É essa a interpretação que podemos fazer? Os festivais psicodélicos refletem a complexidade de um sistema planetário em constante transformação. Levando em consideração que os festivais acontecem em todo o mundo e estão diretamente relacionados à internet e às mais novas tecnologias, não teria como dissociá-los do sistema capitalista. Mas, os festivais apresentam algo que vai além de um simples produto de consumo. Por meio dessas novas manifestações da cultura eletrônica, está sendo criado um estilo de vida que faz girar sua própria economia. Este modo de vida move a indústria musical e da moda, que movem a indústria de vídeo musical e toda uma série de revistas e jornais a ela associados. Essa cultura planetária se reflete no fato de que hoje é possível produzir música e propagá-la pela Internet e por danceterias que não precisam ter uma mesma localização no espaço e no tempo. Dessa forma, a música voltada para a danceteria planetária reúne habitantes da aldeia global em festivais eletrônicos que envolvem a participação direta das pessoas, por meio de experiências que mexem tanto com o individual quanto com o coletivo. A grande maioria dos entrevistados alega que um dos principais motivos que os levam a freqüentar esses encontros está no fato de que nos festivais sentem-se livres para ser e estar como quiserem. Portanto, existe um imaginário de libertação associado aos festivais, pois quando você sai da sua vida cotidiana cheia de padrões e comportamentos sociais e vai para um lugar onde pessoas se encontram para experienciar a vida de outra maneira, mais sensível às emoções, algo inusitado acontece. E isso, só os próprios freqüentadores sabem, pois experienciar a liberdade interna, que é a única existente,  é algo que cada um encontra dentro de si, mas que não pode ser delimitado por mim nem por ninguém. 2) Então é possível dizer que as festas rave têm como diferencial serem mais comerciais e mais cerceadas do que os festivais de trance? Com certeza, existe uma diferença grande entre festa rave e festivais psicodélicos. As raves geralmente são eventos organizados perto da cidade, com duração de um dia e atraem um público mais pop, geralmente de classe média alta e que consome muito. Para a grande maioria, não existe uma consciência a respeito do que está sendo gerado no encontro, tanto que quando acaba a festa o lixo que fica jogado no chão é exageradamente grande. Por outro lado, na maioria dos festivais psicodélicos existe uma consciência diferenciada a respeito do encontro que está sendo gerado. Os festivais são organizados para durar no mínimo três dias, de forma que os participantes possam experienciar algo que está além do padrão da vida cotidiana. Observei durante a pesquisa que os festivais psicodélicos são encontros de arte e cultura planetária que giram em torno de um número grande de atividades alternativas à pista de dança, como as oficinas de circo e de arte, práticas de yoga e tai-chi, palestras e espaços voltados para crianças. Assim, enfrentando a sociedade que reprime qualquer tipo de liberdade de escolha, os festivais expressam a força do querer viver no presente, fazendo da vida uma obra de arte em constante transformação. Quando o ser humano experiencia o êxtase coletivo, sua energia interna é amplificada proporcionalmente àquela gerada pelo grupo, permitindo reconhecer a força que existe além de si. A experiência do transe psicodélico em um festival integra o físico, o mental e o espiritual e pode agir como fonte de satisfação a necessidades ancestrais, enraizadas nas profundezas da natureza humana. 3) A ligação dos festivais e das próprias raves com o movimento hippie é evidente, mas, além da música, qual seria a maior diferença entre os hippies e os frequentadores das raves? Essa diferença estaria na questão política (no sentido de ideais dos freqüentadores) ou no fato de que hoje todo e qualquer tipo de atividade vira apenas mero comércio? Enquanto grande parte da sociedade contemporânea julga que o movimento hippie psicodélico morreu ainda nos anos 1970, outra acredita que a cultura psicodélica apenas ganhou novas formas de expressão. Uma das pessoas que entrevistei, moradora de Alto Paraíso (Goiás), região onde aconteceu em julho de 2005 a quarta edição da Trancendence, afirmou que tanto a Trancendence quanto as raves refletem um período de mudanças muito grande. Ela disse que as raves são, na verdade, o Woodstok eletrônico, com uma nova cara, mas espelhando uma situação semelhante de mudanças no planeta às daquela época. Segundo ela, agora são os filhos da geração hippie que estão rompendo valores culturais e fazendo suas próprias descobertas. Afirmou ainda que daqui a vinte anos haverá gente comentando: ‘Você lembra do Woodstok eletrônico?’ 4) E o que a pesquisa permite interpretar a respeito disso? Como a entrevistada colocou, os festivais de música eletrônica do mundo contemporâneo, assim como as raves, são expressões culturais que refletem a busca dos jovens por experiências que possam ir além do que já é vivido e aceito. As entrevistas  apontaram a grande insatisfação dos freqüentadores frente à sociedade atual, especialmente em relação à violência, à falta de liberdade e ao desrespeito à diferença. Existe entre os integrantes do movimento psicodélico uma consciência de que a maiorias das pessoas vive de maneira inconsciente (manipulada pela TV, pelo governo, pela sociedade em geral) e o fato de participarem dos festivais possibilita que naquele espaço “alternativo” seja criada uma nova consciência. Também constatei um discurso em prol da paz, do amor, da união e do respeito. Nos festivais todos são bem-vindos: negros, brancos, amarelos; ricos e pobres; heterossexuais, homossexuais ou bissexuais; estr
angeiros, deficientes. O que importa é que, unidos pelo transe que a música proporciona, todas as diferenças são celebradas a ponto de se dissolverem, originando o místico sentimento de unidade. Quero ressaltar que na pesquisa  o foco foram os festivais psicodélicos e não as raves de forma geral. Atualmente, observo que tanto os festivais como as raves passam por grandes transformações. Muitos dos antigos freqüentadores questionam se a filosofia se perdeu e esses eventos se tornaram alvo de um público que busca apenas mais uma forma de consumo. Por isso, é importante deixar claro que apenas uma minoria de festivais têm organizadores e integrantes participando com a preocupação de gerar maior consciência sobre si e sobre sua integração o planeta e não apenas em gerar lucro. 5) Como foram feitas as entrevistas e que tipo de perguntas foram feitas aos entrevistados? As entrevistas foram feitas tanto nos festivais, de forma individual e em grupos, e também na casa ou trabalho das pessoas entrevistadas. Duravam de 10 minutos a três ou quatro horas, dependendo do que a pessoa tinha para compartilhar a respeito do assunto. Algumas perguntas utilizadas foram: Como e quando foi a primeira vez que você foi a um festival de psychedelic trance? Porque freqüenta ou trabalha em festivais? Você já fez, ou faz uso de substancias psicoativas nesses eventos? Para você existe uma filosofia de vida associada aos festivais psicodélicos? * Post escrito ao som de GMS

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