Afinal, o que é contracultura?

Publicado em 12/09/2017 - Por Psicodelia.org

Resumida como uma cultura underground, cultura alternativa ou cultura marginal, contracultura é um movimento que teve seu auge na década de 1960, como uma forma de mobilização e contestação social utilizando novos meios decomunicação em massa. Jovens inovando estilos, chocando as famílias conservadoras com seu espírito mais liberal eram a principal representação desse movimento. 

Como ideário, muitos consideram o existencialismo de Sartre como o marco inicial da contracultura, ainda na década de 1940. 

Uma característica clara é que este movimento não se baseia na luta de classes. Foram grupos de jovens brancos das camadas médias urbanas que iniciaram o movimento (justamente eles, que tinham acesso aos privilégios da cultura dominante). O conflito de gerações era intenso e começava na família, sendo marcante a oposição entre jovens versus os “não-jovens”. 

De um lado, o termo “contracultura” pode se referir ao conjunto de movimentos de rebelião da juventude que marcaram os anos 60. De outro lado, o mesmo termo pode também se referir a alguma coisa mais geral, mais abstrata, um certo espírito, um certo modo de contestação, de enfrentamento diante da ordem vigente, de caráter profundamente radical e bastante estranho às forças mais tradicionais de oposição a esta mesma ordem dominante.

Um tipo de crítica anárquica – esta parece ser a palavra-chave – que, de certa maneira, ‘rompe com as regras do jogo’ em termos de modo de se fazer oposição a uma determinada situação. Uma contracultura, entendida assim, reaparece de tempos em tempos, em diferentes épocas e situações, e costuma ter um papel fortemente revigorador da crítica social

Pereira, Carlos Alberto M, 1992 – O que é Contracultura

Beat Generation

Na década de 1950, surgiu nos Estados Unidos um dos primeiros movimentos de contracultura: o Beat Generation. Os Beats eram jovens intelectuais, principalmente artistas e escritores, que contestavam o consumismo e o otimismo do pós-guerra americano, o anticomunismo generalizado e a falta de pensamento crítico. 

Porém, foi na década de 1960 que o mundo conheceu o principal e mais influente movimento de contracultura já existente…

O movimento hippie

A ampliação dos cursos superiores favorecia a concentração de estudantes em espaços de discussão. Os meios de comunicação em plena expansão aproximavam os jovens e universalizavam os novos valores, gostos e padrões de comportamento que, dessa forma, libertavam-se das amarras tradicionais e locais – como a religiosa e a familiar. Aliás, foi a imprensa norte-americana quem deu nome “contracultura” ao movimento que nascia nos EUA, florescia na Europa e chegava, com menor intensidade, na América Latina.

 

Os hippies se opunham radicalmente aos valores culturais considerados importantes na sociedade: o trabalho intenso e diário, o patriotismo e nacionalismo, a ascensão social e até mesmo a “estética padrão”.  O que se contestava eram os tabus morais e culturais, os costumes e padrões vigentes, enfim, as instituições sociais. Propunha-se novas maneiras de pensar, sentir e agir, criava-se outro universo com regras e valores próprios.

Foi assim que os hippies se engajaram, libertando parte da sociedade através de diversos movimentos sociais, filosóficos, artísticos e musicais. A ideia era que o lema “paz e amor” ou ainda, “faça amor, não faça guerra”, refletisse uma vida comunitária de busca incessante pela paz.

Os anos de 1968 e 69 são especialmente importantes nesse contexto, pois marcam o ápice dos movimentos estudantis, além de ser a época dos grandes festivais de Woodstock e Altamont, dois marcos da contracultura e importantes veículos de contestação com a presença de ícones como Janis Joplin, Jimi Hendrix, Bob Marley, Jim Morrison e outros. No Brasil, a Tropicália de Gilberto Gil, Caetano Veloso e Gal Costa ganhava cada vez mais força entre os jovens.

Para saber os detalhes do que acontecia nessa época recomendamos o livro 1968: O Ano Que Não Terminou, de Zuenir Ventura.

 

Woodstock

O principal marco histórico da cultura hippie foi o Woodstock, um grande festival ocorrido no estado de Nova Iorque em 1969, que contou com a participação de artistas de diversos estilos musicais, como o folk, o rock’n’roll e o blues, todos esses de alguma forma ligados às críticas e à contestação do movimento.

Há quase 50 anos o mundo via tomar corpo, voz e expressão, o espírito independente de uma geração de jovens descontentes com os padrões sociais que guiavam suas vidas. Seus organizadores: John Roberts, Joel Rosenman, Artie Kornfeld e Michael Lang não imaginavam as proporções que seu evento tomaria. Inicialmente preparado para 50 mil pessoas, estima-se que no final Woodstock acabou reunindo quase 500 mil na pequena cidade de Bethel.

Enquanto acontecia a Feira de Arte e Música de Woodstock, o mundo vivenciava os horrores da Guerra do Vietnã, a chegada de Neil Armstrong à Lua e as tensões da Guerra Fria. Todos esses fatos, somados ao espírito produzido pelos acontecimentos de maio de 1968 na França, inspiraram nas pessoas, sobretudo nos jovens, um acalorado sentimento pacifista.

 

Tropicalismo: a contracultura brasileira

O universo musical brasileiro mal havia saído dos embalos da Bossa Nova e já estava descobrindo a Tropicália (ou Tropicalismo), um movimento cultural contestador e vanguardista que surgiu por aqui na década de 60. Apesar de naquela época o país estar mergulhado em plena ditadura militar, os movimentos estudantis continuavam a pleno vapor, exercendo de uma energia criativa que parecia inesgotável.

Liderado por artistas como Caetano Veloso e Gilberto Gil, o Tropicalismo usava as ideias do Manifesto Antropofágico de Oswald de Andrade para aproveitar elementos estrangeiros que entram no país e, por meio de sua fusão com a cultura brasileira, criar um novo produto artístico. A relação do Tropicalismo com a Contracultura está nos valores utilizados pelos integrantes do movimento, que eram diferentes dos aceitos pela cultura dominante, com referências consideradas cafonas, ultrapassadas e subdesenvolvidas. Os tropicalistas pretendiam subverter as convenções, transgredir as regras vigentes, tanto nos aspectos sócio-políticos, quanto nas dimensões da cultura e do comportamento.

A irreverência tropicalista revolucionou o comportamento e os critérios de gosto vigentes, tanto em relação à cultura quanto à moral e à conduta, ao corpo, ao sexo e ao vestuário. O disco Tropicália ou Panis et circencis(1968), trazia uma mistura do refinamento da Bossa Nova com influências dos Beatles. As guitarras elétricas, inseridas no cenário musical brasileiro pelos tropicalistas, causaram polêmica em uma classe média universitária nacionalista, contrária às influências estrangeiras nas artes. Ainda assim a contracultura hippie foi assimilada, com a adoção da moda dos cabelos longos encaracolados e das roupas escandalosamente coloridas. 

O movimento acabou reprimido pelo Governo Militar após a decretação do Ato Institucional n° 5 (AI-5), em dezembro de 1968, quando ocorreu a prisão de Gil e Caetano. A cultura do país, porém, já estava marcada para sempre.

 

Goa, Índia

Naquela época, a região de Goa na Índia recebia uma grande onda de imigrantes americanos e europeus (a imensa maioria formada por jovens hippies) em busca de um escape da sociedade turbulenta da época. Devido ao clima agradável e à natureza exuberante, as festas à beira mar se tornaram muito comuns, juntando música, rock psicodélico, liberdade e drogas.

A música eletrônica foi introduzida no luais de Goa no final o da década de 80, quando milhares de pessoas ligadas a manifestações de contracultura, munidos de conhecimento técnico de produção de música eletrônica e de um puro desejo de curtir e experimentar, desenvolveram, de forma intuitiva, um novo estilo sonoro que logo ficou conhecido como Goa Trance (e que em pouco tempo daria origem também ao Psytrance e suas vertentes).

Atualmente a Cultura Trance ainda está fortemente ligada a movimentos contracultura. Recriar esse tipo de ambiente repleto de paz, respeito, amor e união é o que geralmente se busca em festivais como Ozora, Boom e Universo Paralello, como uma forma de escape temporário da sociedade.

 

 

Para saber mais:

  •  MESSEDER PEREIRA, Carlos Alberto. O que é contracultura. 8ª ed., São Paulo, Editora Brasiliense, 1992.
  •  SILVA SANTOS, Gisele. Movimentos contraculturais: Mitos de uma Revolta, Poetas de uma Revolução. Periódico Akrópolis, n.1, v. 13, Paraná, jan/mar 2005, pp. 63-65.
  •  MACIEL, Luiz Carlos. Nova Consciência – Jornalismo contracultural 70-72. Livraria Eldorado, Rio de Janeiro, 1973.
  • Contracultura – Wikipedia
  • Jornal Sociológico: O que é contracultura e como se faz

 

Fotos: Murilo Ganesh

 

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