Documentário traz história da música eletrônica no Brasil desde 1960

Publicado em 26/06/2019 - Por

“A tecnologia influencia a arte ou a arte influencia a tecnologia?”

O dilema é proposto por Jorge Antunes, um dos pioneiros da música eletrônica no Brasil. Aos 19 anos, o músico carioca se viu encantado por uma apresentação do norte-americano David Tudor na 1ª Semana de Música de Vanguarda, que aconteceu no Theatro Municipal do Rio de Janeiro e apresentou o gênero eletrônico ao público brasileiro.

Era o ano de 1961, e Antunes descobriu um novo caminho sonoro. Em 1975, ele lançou “Música Eletrônica”, considerado o primeiro LP feito completamente com sons feitos com máquinas no Brasil.

O evento em que Antunes assistiu à apresentação de Tudor foi organizado por Jocy de Oliveira, que na época já tinha alguns anos de experiência com compositores de música contemporânea, trabalhando desde a década de 1950 com nomes como Igor Stravinsky, Maurice Ravel e Iannis Xenakis. Na Semana, ela estreou sua peça “Apague meu Spot Light”, primeiro trabalho teatral sonorizado com música eletrônica no país.

Ambos os lançamentos foram marcos para a cena eletrônica nacional que, desde então, já se desdobrou em diversas vertentes: da música experimental ao dance, do techno ao pop repleto de batidas sintéticas. Há poucos registros oficiais da relativamente curta, mas complexa, história da música eletrônica no Brasil. O festival de documentários musicais In-Edit apresentou na semana passada um filme que recuperou parte dessa trajetória: “Eletronica:mentes”, dirigido pelo paulistano Dácio Pinheiro.

Conhecido pelo documentário “Meu Amigo Cláudia”, sobre a vida da travesti, ativista e artista Claudia Wonder, Pinheiro também trabalhou com alguns filmes de ficção na última década. Agora, ele lança o longa na esperança de jogar luz a um cenário ignorado no país.

Além de contar as histórias de Jocy e Jorge Antunes, “Eletronica:mentes” explora o contato pessoal de alguns artistas, como a banda Rakta, o produtor Arthur Joly e a dupla Tetine, com sons eletrônicos. De cantos pouco comerciais da música eletrônica, eles são mais ligados ao que seria chamado de “música experimental”.

Apesar do foco no sudeste, que deixa de lado artistas importantes para o desenvolvimento dessa história (como o pernambucano Paulo Bruscky, que trabalhou com diversos experimentos sonoros na década de 1970), o filme preenche uma lacuna narrativa. Para entender um pouco mais sobre o trabalho, confira a entrevista que o diretor Dácio Pinheiro concedeu ao TAB, do UOL.

Como você teve a ideia de fazer o documentário?

Dácio Pinheiro: O Paulo Beto, que é um dos personagens desse documentário e também fez o projeto comigo, é um amigo meu de mais de 20 anos e sempre foi obcecado por sintetizadores e por essa coisa de fazer sons eletrônicos analogicamente. Eu o acompanho desde os anos 90, gravando muita coisa em [câmeras] Mini DV, e sempre fui interessado por essa cena. Há cinco anos já tinha muito material gravado e o Paulo Beto veio com a ideia de fazer um documentário sobre os pioneiros da música eletrônica. A gente começou a desenvolver e acabamos com um filme que não explora só a história, mas busca diferentes gerações de músicos para falar sobre a relação deles com o som eletrônico. A paixão de trabalhar com o som eletrônico e no que isso mexe com eles na forma de fazer música e compor. Exploramos um pouco da história, mas nos prendemos mais à reflexão sobre o som e o fazer musical nas diferentes gerações – tanto dos artistas que gostam de colecionar sintetizadores analógicos quanto dos músicos que usam computadores e se sentem confortáveis nessa plataforma.

Entre a Jocy de Oliveira e o Jorge Antunes existe um embate sobre quem de fato iniciou a produção de música eletrônica no Brasil. De que maneira você tentou retratar essa história?

Pinheiro: Mostrei os dois como pioneiros, porque eles foram mesmo. Realmente existe esse embate, mas eles estavam ao mesmo tempo fazendo em situações diferentes. Ela mais ligada ao mundo do teatro e da coisa mais clássica, buscando o diferente na música. Em 1961, ela realizou o que ela chama de “drama eletrônico”, usando vozes alteradas eletronicamente. Na mesma época, o Jorge já estava fazendo suas experiências com fita de rolo e gravando sobreposições. Os dois são usados como o fio condutor do filme.

A música eletrônica no Brasil tem, também, vertentes mais populares e as mais dançantes ligadas a festas, raves. Por que você decidiu focar a mais experimental?

Pinheiro: Quando você fala de música eletrônica, as pessoas esperam ouvir falar de EDM, DJ, pista, o que é meio óbvio. E a gente sentiu que não existia um documentário no Brasil que falasse de onde isso veio. Então buscamos ir pelo que era mais inusitado, mais diferente. Eu também sempre estive envolvido nessa cena, mas retratá-la seria abrir mais um capítulo para uma coisa que talvez não daria tempo de contar em uma hora. E também como sempre estive acompanhando o Paulo Beto nessas coisas, busquei ir pelo caminho mais do experimental e da obsessão pelo som, mesmo. Mas em alguns momentos temos personagens como o Péricles, do Boss in Drama, que tem uma pegada mais pop.

Falar de música eletrônica no Brasil também é falar da democratização de acesso à tecnologia. Quanto você acha que isso torna a nossa história da música eletrônica diferente se comparada à de países mais desenvolvidos?

Pinheiro: Eu acho que um tipo diferente de impacto estético veio com o nosso acesso à tecnologia. Tudo ficou mais fácil de se fazer. Temos no filme um personagem que é o Eloy, que faz música com sucata. Ele procurou outro caminho de capturar o som eletrônico. Nos anos 1960, 1970, tudo era mais difícil porque as coisas não chegavam aqui. Para importar um equipamento você teria que pedir autorização ao governo. O Jorge Antunes e a Jocy de Oliveira passaram muito por isso. Nos anos 1980 e 1990 já virou uma coisa mais forte, teve um boom do synthpop que acabou chegando ao Brasil mas, mesmo assim, ainda apresentava dificuldade. E aí nos anos 2000 temos uma onda de techno e DJs que torna tudo mais acessível. Mas ainda não era a facilidade que temos hoje em dia de ter acesso à tecnologia: trabalhar com sons eletrônicos em aplicativos de celular. É muito mais rápido e fácil. A Jocy de Oliveira, quando fez o “Apague Meu Spot Light”, gravava as vozes aqui e enviava pelo correio ao Luciano Bério, na Itália. Ele fazia as alterações lá, eles se falavam por telefone e o processo todo demorava meses. Hoje você faz isso em uma hora.

Quais características em comum você achou nas relações pessoais dos artistas com a expressão pela música eletrônica?

Pinheiro: Rola uma coisa de vivência, de coisas do dia a dia que eles vivem, de sons que imaginam e sonham. Isso foi o legal de ir por esse caminho: não ter que se comprometer tanto com a história e poder transformar o filme numa coisa mais pessoal e sentimental, de como você conecta a memória do computador à sua própria.

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