Entrevista: Fabio Leal

Publicado em 03/06/2014 - Por Marina Tavares

Foto: Germano Rolim

 

Marina – Quando foi o seu primeiro contato com a música eletrônica, e como isso se tornou algo a mais em sua vida?

Fabio Leal – Foi na escola ainda, indo pra matinê. Todo mundo preocupava em ficar beijando, enquanto ouviam aquelas pérolas do axé, mas sempre tinha a pistinha que tocava os hits de dance; e às vezes, o DJ colocava alguma track mais “séria” no meio.

Eu conseguia perceber a diferença de um dance para um house, por exemplo, mesmo sem saber o nome ou as características de cada vertente, o meu ouvido já distinguia os tuntz tuntz.

Foi quando tudo começou, eu passei a perguntar que tracks eram aquelas, e saía pesquisando. Justamente por isso, se tornou algo a mais em minha vida, eu me aprofundei na pesquisa, a curiosidade só aumentava, e a vontade de mergulhar mais fundo era constante. Virou um estilo de vida, escutar música boa, ir para clubs e raves, dançar até os dedos doerem.

 

Marina – Quem foram as suas inspirações?

Fabio Leal – No início, eu gostava muito de Drum'n'Bass, sempre curti ver o Marky tocar. Eu também gostava de Techno, do Camilo Rocha, Pil Marques, e dos gringos da lenha, Dave the Drummer, os irmãos Liberator, Surgeon, e outros.

A maior inspiração veio de um evento chamado Megavonts, que eu ia quando era adolescente, foi o primeiro e mais original festival de música eletrônica. Teve tendas (sim tendas de circo, isso era massa) de Techno, House, Trance, e o casarão do Drum'n'Bass. Que saudades dessa fazenda, querida Arujabel!

Foi lá que eu aprofundei o meu contato com o Psy Trance. Eu já conhecia, mas não tinha chamado a minha atenção, não sei por que. Eu vi o Brio fazendo sets lindos de Progressive, vi o Rica enchendo a mão em sets prime time super enérgicos, sem apelar; e vi o Paulo (DJ cego de Portugal) tocar sons mais noturnos e introspectivos. Foi uma escola!

 

Marina – Como você define a sua música?

Fabio Leal – Eu sinto que os sets que toco são multidimensionais, eles mexem com a pessoa que está ouvindo, de maneiras diferentes e muito particulares. Todos têm um pouco de tudo, tem tracks mais introspectivas, que são muito dançantes; tem tracks extrovertidas, que trazem alguns ornamentos e detalhes bem únicos; e tem momentos que só acontecem uma vez e depois nunca mais.

Isso porque, através do setup que eu uso, utilizando minhas “ferramentas”, crio combinações que só acontecem ali, e não tem como recriar depois. São muitos elementos envolvidos; dois programas, seis canais (dois de efeitos analógicos), um step sequencer, um monte de botões, luzes, faders, opções, possibilidades, coisas malucas.

Todas às vezes, eu fico surpreso com essas coisas, elas acontecem, emergem do nada, atingem de surpresa. Por isso que, sempre fico com vontade de tocar mais, sinceramente, 1 ou 2 horas passam em 20, 30 minutos.

Para resumir, eu acho que poderia definir o meu trabalho musical como diversificado e desesperado por novidades, por novos elementos.

 

Marina – O que é exatamente 'Zenonesque'?

Fabio Leal – É um termo que foi criado no site Ektoplazm (não foi criado pela Zenon), como uma tag, para ajudar a indexar as sonoridades lançadas no site, que se assemelham a direção que a Zenon segue com o seu trabalho.

Eu particularmente não gosto do termo, nem o Sensient, o dono da gravadora.

Estão juntas nesta missão outras gravadoras contemporâneas, que ajudaram a compor o panorama desse estilo de Progressive Psychedelic Trance, como Cosmic Conspiracy, Uroboros, Electric Power Pole, Audio Ashram, Another Psyde, Occulta, Maia Brasil.

Isso sem falar nas antigas, que criaram a base para o estilo, como ZMA, Spiral Trax, Groove Zone, Crotus, Tatsu, entre outras.

Não acho legal monopolizar um mérito que foi de todos.

 

Marina – O que os artistas da Zenon têm que a faz tão especial? 

Fabio Leal – Cada um dos artistas traz uma interpretação única e pessoal, em relação ao que entende como o estilo da Zenon Records.

Todos estão interpretando a mesma egrégora musical, mas, de maneira ultra original; então, o resultado são produções bem diferenciadas entre si, onde você consegue reconhecer o trabalho de cada um (sem precisar saber o nome das tracks) justamente por sua forte característica individual. Isso também se tornou um critério de selecionar novos artistas para lançar.

Eu consigo reconhecer uma track do Shadow FX em menos de 10 segundos, mesmo que seja uma que nunca ouvi. O mesmo serve para todos os artistas que estão no cast da gravadora.

Numa cena que anda repetindo suas fórmulas de composição constantemente, e sem vontade de mudar, o que a Zenon traz através de seus releases acaba automaticamente chamando atenção. Vale dizer aqui que, até hoje, a Zenon não tem departamento ou alguém que só cuida do seu marketing e promoção.

O estilo de Progressive da Zenon Records está em evidência, seus artistas têm se destacado bastante nos eventos.

 

Marina – Você acredita que a direção artística da gravadora está diretamente ligada a isso?

Fabio Leal – Sem dúvidas, a Zenon conquistou respeito em escala global. Não é prestígio ou propaganda, é reconhecimento mediante muito trabalho e dedicação, de todos os que fazem parte da gravadora. Já temos 10 anos de lançamentos, e eu, pessoalmente, tenho seis de casa, onde investi todas as minhas forças na divulgação, informação, e interação para com o público.

Trabalhamos com um conceito que não é mainstream, e nem exatamente fácil de vender, mas é arte, e é embasada em sólidos pilares culturais do Progressive Psychedelic Trance. A história da Zenon foi altamente influenciada por esses pilares, esses artistas que começaram o Progressive.

O resultado dessa postura é a nossa presença em praticamente todos os festivais mais conhecidos de Psychedelic Trance. Estamos no Midninght Sun, na Noruega; Freqs of Nature by Fullmoon Festival, na Alemanha; Arkana Festival, no Peru; Modem e Lost Theory, na Croácia; Sun Festival e Ozora, na Hungria; Boom e Utopia Boom Landing, em Portugal; Chill Out Planet, na Rússia; Atohm Festival e Hadra Festival, na França; Sonica Festival e Blackmoon, na Itália; Ometeotl Festival e Time & Space, no México; Rainbow Serpent Festival, Maitreya Festival, e Earth Frequency, na Austrália; Burning Man e Symbiosis, nos EUA; e a lista continua crescendo a cada ano.

Este ano, eu também reinicio a minha presença anual no verão europeu, fui convidado a tocar em seis datas até o momento, Holanda (Solstice Gatherer), Suécia (Forest Star e Sommarvals), Alemanha (Freqs of Nature), Hungria (Sun Festival), e Portugal (Utopia Boom Landing).

Pode se dizer que, a Zenon é uma iniciativa que mantém a sua essência, enquanto progride no tempo, e evoluí na técnica. E não está em nossos planos mudar isso, apesar de ser difícil a caminhada, com aquilo que não é tão acessível em termos de gosto.

 

Marina – Quais são os seus três álbuns favoritos de todos os tempos?

Fabio Leal – Kliment – Empty Space, Shadow FX – Direct Influence, Sensient – AntiFluoro.

 

Marina – Qual foi a apresentação que mais te marcou?

Fabio Leal – Todas me marcam muito, porque eu me entrego 200% ao momento e à performance, sempre tentando me superar. Eu procuro levar o meu melhor para cada evento que toco. Algumas marcas são boas, outras talvez nem tanto.

Mas posso dizer sobre uma apresentação recente, no último Universo Paralello, que me marcou por ser a primeira tarde do festival na pista principal. A atmosfera estava muito serena, primeiro final de tarde, não tinha ninguém muito passado, ninguém muito sério. Perfeito!

Estava um clima tão agradável, que me deixou super à vontade para entregar um dos melhores sets que já fiz até hoje. Eu vi muitos amigos na pista, parecia uma festa de aniversário. Eles estavam sorrindo, dançando, dando risadas, brincando, sei lá, é um daqueles momentos em que você se esquece de tudo, e só sente um amor inexplicável por tudo e por todos.

Eu geralmente fico mais sério enquanto toco, por causa do nível de concentração que demando de mim mesmo, para entregar uma boa performance técnica, mas ali eu estava solto e relaxado, acho que o pessoal percebeu. Provavelmente, foi um dos sets que mais me mexi no palco (risos).

 

Marina – Como foi tocar no Festival Mundo de Oz?

Fabio Leal – Tocar no Mundo de OZ foi uma experiência peculiar! Eu peguei a pista após o set do meu querido irmão Marco Element, e vou te contar, não foi fácil – ele tinha chacoalhado todo mundo de uma maneira bem intensa. Como no festival todos tinham apenas 1h para se apresentar, eu me preparei para condensar as novidades da gravadora, e utilizar todos os recursos do meu setup nesse período de tempo; separei umas 50 tracks que gostaria de tocar, mais um monte de loops, peças de bateria e basslines, que queria usar também. Eu não tinha ideia de como iria juntar tudo isso em uma apresentação coesa, mas eu quis deixar minha intuição me direcionar, e assim foi me joguei mesmo. Eu comecei com uma introdução um pouquinho longa, onde loopei um compasso interessante de uma track do Hellquist, e tirei muita coisa dele, mais notavelmente o bassline e o mid-range. Eu fiz isso para dar um reset na energia da pista, é uma técnica que uso quando preciso mudar o humor na pista (o Marco tinha tocado o som da Echoes, e eu ia tocar Zenon, não dava pra começar direto, porque os estilos são um pouco diferentes). Ficou todo mundo me olhando, meio sem saber o que estava acontecendo, pensando se tinha alguma coisa errada com o som (risos). Eu vi isso na expressão das pessoas ali na frente, mas aí apliquei um reverb analógico, modulando seu tamanho de difusão, e comecei a trazer de volta as frequências que tinha tirado; fui criando expectativa e eventualmente, tirei os efeitos e trouxe de volta o baixo do artista sueco, em sua completa extensão. Eu estava bem nervoso no início, mas depois que completei essa introdução, e o bassline entrou gordo daquele jeito, o pessoal começou a dançar, e peguei confiança para o resto do set. É sempre assim, se você começa bem, o set inteiro vai bem, por isso, é essencial fazer uma boa entrada. Durante o set, eu procurei pesar bastante a mão, já que estávamos de noite, toquei texturas bem sérias e industriais. Consegui tocar as tracks novas que se mostraram apropriadas à sequência que criei, e também consegui usar recursos musicais interessantes para cada momento, fazendo um live mix de algumas composições, que senti ter espaço para tal. No geral, acho que consegui maximizar o que se dá pra fazer em 60 minutos, e mostrar um display legal de como andam as novidades da gravadora, assim como um pouco das técnicas novas que tenho criado através do uso dos equipamentos. No final do set, como sempre, eu achava que podia ter tocado melhor, mas quando a galera começou a aplaudir, só depois de uns 2 minutos que terminou a última track, percebi que estavam em um “transe” bom, e isso me tranquilizou, sensação de missão cumprida. Ficam aqui os meus agradecimentos a todo o crew do Oz, por terem montado um festival tão agradável e psicodélico. É o terceiro ano seguido que toco, é sempre legal retornar naquela cachoeira, e celebrar com os amigos.

 

Marina – Se você pudesse escolher algum lugar para se apresentar, qual seria?

Fabio Leal – Eu tenho alguns que poderia dizer aqui, uns lugares bem legais e inusitados, mas isso poderia revelar alguns planos que temos para a Zenon Records ano que vem.

Então, vou dizer um sonho meu: eu gostaria muito de poder apresentar esse trabalho na Sala São Paulo, uma casa de concertos e eventos, que geralmente recebe orquestras sinfônicas. Com certeza, eu adaptaria toda a apresentação e conceito de performance, trazendo sons mais experimentais, selecionados com muita cautela, para serem degustados, e apreciados em sua essência – sem a necessidade da dança.

Eu sei que o Anderson Noise já fez isso com uma orquestra, em outra sala, mas eu queria fazer sozinho, sem misturar música clássica. Somente Zenon Records e Progressive Psychedelic Trance.

A ideia principal por trás disso, seria relembrar a todos que antes de se tornar entretenimento, a música eletrônica também é uma elevada forma de arte, que pode e deve ser respeitada como tal. Talvez, ao tirar a dança da equação, e a substituir por um assento confortável da Sala São Paulo, para se ouvir com atenção as produções, mais pessoas poderiam voltar a perceber isso.

 

Marina – Para finalizar, deixe uma mensagem para os seus fãs.

Fabio Leal – Pesquisem mais, aprofundem-se mais, sejam nerds, geeks, enciclopédias ambulantes, fiquem loucos, percam-se, e depois se encontrem novamente; precisamos de mais amor por novidade e conhecimento nesta cena.

Sintam-se à vontade, para me perguntarem sobre as coisas mais triviais, e aparentemente desconexas do contexto, e também sobre tudo que é muito sério e fundamental para a progressão, nesse tema tão extraterreno que é o Progressive Psychedelic Trance.

Estou aqui para ajudar, contem comigo!

 

Conheça mais sobre o artista:

https://www.facebook.com/z.fabioleal

http://www.soundcloud.com/fabio-leal

http://www.mixcloud.com/z_fabioleal/

 

Zenon Records

http://www.zenonrecords.com/

https://www.facebook.com/pages/Zenon-Records/286570021721

 

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