Quem é de mentira? Softwares ou artistas?

Publicado em 22/03/2012 - Por

Você DJ com certeza agradece aos Céus todos os dias pela internet existir: através dela você pode pesquisar suas músicas, baixá-las, postar seus sets mixados em redes de compartilhamento musical e de relacionamento para, por fim, divulgar seu nome e trilhar seu caminho de sucesso. Pode manter-se atualizado facilmente sobre tendências, novos artistas e lançamentos, notícias e informações sobre a profissão. Consegue, mesmo muitas vezes sem conhecer pessoalmente seus contatos, organizar os eventos aonde irá apresentar-se e difundir aquilo que faz a um universo imenso de interessados. Através dela, portanto, hoje você pode mais facilmente desenvolver sua técnica, repertório e carreira. A tecnologia lhe abriu as portas do mundo.

Se voltarmos um pouco mais no tempo, não há dúvidas que você continuaria agradecendo, não pela internet propriamente dita, mas pelo avanço tecnológico de forma geral nesta profissão: a democratização da discotecagem teve grande impulso sobretudo com o surgimento dos CD players específicos para os DJs. Com eles, houve a possibilidade de que qualquer um se experimentasse no ambiente do DJing. Muitos grandes artistas de hoje em dia iniciaram suas carreiras por conta dos CDJs.

A tecnologia permitiu, ainda, que os DJs dos toca-discos também pudessem manter a estética de suas performances sem que precisassem adquirir os vinis originais para mixagens, e não tenho dúvidas de que eles agradecem aos avanços tecnológicos até hoje por isso. Através dos softwares de discotecagem, vários profissionais continuam mantendo o princípio original do DJing, por meio de uma ferramenta extremamente poderosa e capaz de propor muito mais do que simplesmente a transição de faixas. Abriu espaços, ainda, para que aqueles que sonhavam atuar desta forma conseguissem, enfim, ter a tarefa facilitada, pois pesquisam seu repertório da maneira contemporânea, através da internet, ao mesmo tempo que podem usar o método mais clássico e elegante de discotecagem para desenvolverem-se na profissão.

Os softwares de discotecagem apresentaram, nesta linha, o princípio de atuação com controladores, o que tem proporcionado ainda mais possibilidades, tanto para iniciantes, quanto para profissionais experientes. Pode-se unir os métodos convencionais com estéticas extremamente modernas de apresentação, o que agrega muito mais individualidade ao trabalho artístico. É o que fundamenta o princípio atual da DJ Performance. Pode-se dizer, portanto, que eles, softwares e controladores, refletem o que se tem de mais novo e democrático dentro da cena atual do segmento. Tecnologia pura a serviço da música.

 

Entretanto, hoje vivemos um embate, muitas vezes baseado em achismos, em pseudo-puritanismos ou, ainda, em saudosismos excessivos, a respeito da discotecagem com o uso de programas e MIDI controllers. Inúmeras vezes, acompanhamos discussões, infundadas, em algumas situações, ou baseadas em valores incorretos, sobre uma possível falsidade da discotecagem com estes recursos, especialmente por conta de opções como sincronização automática, visualização da estrutura musical, visualizadores de sincronia e BPMs, entre outras possibilidades.

Ocorre, me parece, que o foco da discussão está deturpado, e muito: não se discute o princípio que leva o artista a utilizar estes recursos. Discute-se o uso propriamente dito deles. Se os DJs, especialmente os iniciantes, usam controladores e softwares, são tachados de falsos por muitos que atuam com CD players, por exemplo. Bem como muitos artistas do vinil execravam, inconsistentemente em muitas situações, os DJs do CD player antigamente. Ou seja, uma clássica crítica vazia ao desenvolvimento natural, que tende a preencher com novidades e melhoramentos aquilo que nos eram verdades absolutas por muito tempo, e que pensávamos que nunca seriam superadas ou aprimoradas.

Esquecem-se os críticos destrutivos de todos os benefícios que a tecnologia propôs às suas carreiras. Todos, artistas em geral, usufruímos de tudo que foi citado no início do texto. Usamos a tecnologia da forma mais adequada para nós: aquilo que nos satisfizer é considerado o melhor, o ótimo, o eficiente e verdadeiro. Aquilo que desconhecemos, não valorizamos ou simplesmente desdenhamos por não o dominar. É o que ocorre, na esmagadora maioria das vezes, com os críticos vorazes dos recursos atuais para discotecagem.

Logo, nesta linha de raciocínio, não devemos gastar nosso senso argumentativo criticando maldosamente as novas tecnologias, mas sim o focar construtivamente à análise da apresentação do DJ: se o que ele busca é um crescimento artístico da performance, agregando novas possibilidades e criatividade, fugindo do imenso senso-comum que a discotecagem tem se afundado, é extremamente aceitável, elogiável e incentivável que faça uso intenso destes utensílios. Certamente, neste aspecto, sua apresentação poderá ser muito mais verdadeira e artisticamente mais avançada do que uma simples mixagem com CD players ou vinis. Se o DJ ajustará manualmente o pitch, não olhará para o BPM das faixas neste processo, lembrará mentalmente as áreas de mixagem em suas faixas, são os fatores menos importantes: com o princípio da substituição, deixamos de atuar com estes aspectos em prol de outras execuções que possam elevar a apresentação a um grau de originalidade e autoralidade muito mais profundo do que a simples transição entre faixas, realizada ou com vinis, CD players ou mesmo controladores.

Discutamos e critiquemos, sim, os DJs que se utilizam da tecnologia para desenvolverem apresentações desprovidas de arte e criatividade verdadeira, ou mesmo por simples relaxo e desleixo na execução de sua função quanto artista que, por fim, engana seus clientes: organizadores de eventos e seus reais fãs. Estas, sem dúvida, são estéticas mentirosas e que merecem crítica e debate. Sincronizações automáticas por preguiça e insegurança, apresentação de sets previamente mixados ou a ordem de um set list previamente preparado por preguiça ou insegurança, softwares de discotecagem utilizados por preguiça e insegurança, uso de cálculos de BPM para ajuste de velocidade em CD players por preguiça e insegurança, seleção de repertório com faixas somente de mesma velocidade por preguiça ou insegurança, entre outros itens, são, no mínimo, deploráveis e denotam a desvalorização que se faz do público apreciador de uma performance verdadeira e completa. 

A falta de conhecimento técnico e teórico a respeito do princípio artístico do DJing, bem como a falta de moral de muitos envolvidos nesta cena, tem proporcionado o surgimento de artistas que usam a tecnologia de maneira mentirosa e preguiçosa, o que deturpa a imagem daqueles que procuram a utilizar de uma forma verdadeira e avançada. Ao invés de usarem as tecnologias para promoverem o desenvolvimento musical próprio e deste universo de forma geral, as utilizam simplesmente para considerarem-se artistas, porém, sob a ótica dos menos esclarecidos. Nosso trabalho, quanto debatedores e analisadores do cenário da música eletrônica, é identificar este tipo de profissional e demonstrar que, para ser um verdadeiro DJ, é necessário muito mais do que simplesmente dominar pequenos detalhes técnicos em equipamentos ou programas de discotecagem.

E a solução disso passa, necessariamente, pelo estudos. Devemos nos aprofundar verdadeiramente sobre o que são as novas tecnologias e o que elas podem realmente fazer, de bom e ruim, em uma performance. À medida que nós, formadores de opinião, passarmos a difundir a realidade sobre estes utensílios, poderemos gerar um novo establishment que, a longo prazo, capacitará todos a avaliar  verdades e mentiras nos vendidas mundo afora dentro do clubbing.

Direcionemos, a partir de hoje, nossa análise e debate não somente aos softwares, aos equipamentos. A inclinemos aos próprios artistas. Busquemos incentivar e propor o melhoramento ético em nossa cena, promovendo em todos o conhecimento a respeito daquilo que é verdadeiro ou falso nesse ambiente. Somente desta forma seremos capazes de construir um universo saudável, onde fãs e artistas contribuirão para o crescimento da música eletrônica e a valorização da discotecagem quanto profissão.

GLOSSÁRIO:

  • DJing: discotecagem.
  • CDJ: Cd player para discotecagem.
  • MIDI controllers: controladores que utilizam o protocolo de comunicação MIDI.
  • BPM: batida por minuto.
  • Pitch: velocidade de uma faixa.
  • Set list: lista ou sequência musical do DJ.
  • Establishment: pensamento ou filosofia padrão.
  • Clubbing: discotecagem para clubs, voltada à dança.

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