Review: XXXperience Curitiba 10 Anos

Publicado em 25/05/2010 - Por Eliel Cezar

Números redondos guardam uma certa mística. Sempre ligados a fins e a objetivos, nós, humanos, tendemos sempre a revesti-los com um ar de finalidade, de objetivo alcançado. Pois bem, dez anos se passaram desde que, pela primeira vez, Rica Amaral e DJ Feio trouxeram sua criação para a capital paranaense. Certamente, uma estrada de sucesso foi trilhada pela XXXperience. Mas, se o simbólico número “10” carrega uma longa e bem sucedida história, traz também um novo ponto de partida para se pensar o futuro. Há algo de esquisito na XXXperience de hoje em dia. Falta identidade, falta intensidade, falta a “experiência”. Não que a festa esteja ruim; apenas parece que tem algo faltando. Esperamos que você, tenha ou não ido à festa, compreenda a impressão que o Psicodelia teve dessa que pretendia ser uma mega-celebração de aniversário. Se ela cumpriu esse objetivo, se o número redondo realmente teve significado, fica a seu critério.

ESTRUTURA

Não sabemos se é devido ao espaço mais compacto da Fazenda Heimari em comparação à Fazenda Maeda em Itú, mas o Castelo dos Sonhos, em Curitiba, pareceu um pouco mais imponente. Mesmo assim, a comparação com a belíssima arte-conceito presente no site da festa deixa o palco principal desa XXXperience parecendo um andaime de obra. Ponto positivo foi que a cascata e o esquema de mudanças de cor deram certo. Um degrau acima da XXX 13 anos paulista, mas ainda vários degraus abaixo do que se esperava. A estrutura de som no Main Stage, mais uma vez, deixou a desejar. Nos momentos de auge da festa, mesmo quem estava próximo aos alambrados que dividiam a pista “do povo” do “chiqueirinho” do backstage podia conversar normalmente. E, sinceramente, quando a voz do seu amigo está no mesmo volume que o som nas beiradas do palco, é porque algo está errado. Essa é, infelizmente, uma constante nas festas de Curitiba, e esperamos que esse seja um ponto a ser aprimorado para as próximas festas. Afinal, tão importante quando decoração e lines estrelados, é um som razoável intensidade. Acredito, enfim, que nenhum frequentador de open-air reclamaria se o som estivesse “muito forte”.

O som na Bolha Mágica, por sua vez, estava com um bom nível de intensidade, conseguindo criar a atmosfera intimista de um club. Felizmente, sob as humildes e pouco impressionantes tendas do backstage, sobrou qualidade e intensidade de som. Novidade interessante foi a compra de bebidas diretamente no bar, sem haver necessidade de compra prévia de fichas. Os preços, por sua vez, mantiveram-se no mesmo (elevado) patamar das últimas festas: 5 reais a cerveja, 5 reais a água e 10 reais por um copo de gelo, quer dizer, de catuaba. A logística de entrada e de saída do estacionamento foi problemática. Quem chegava da BR na entrada da estrada de terra que levava ao local da festa depois da 5 da tarde levava, pelo menos, uma hora para conseguir estacionar o carro. Felizmente, a entrada na bilheteria se deu sem nenhuma espera ou percalço, com especial nota à revista ponderada e à educação dos seguranças e funcionários. Já na saída, contudo, formou-se o tenebroso cordão de seguranças para expulsar os últimos ravers que insistiam em se manter na festa após o fim melancólico do set de Dusty Kid. Antes de partirmos para a análise do que houve de melhor e de pior, façamos uma ponderação a respeito do full on nessa XXXperience.

Não é difícil lembrar que, logo após a divulgação dos primeiros nomes que iriam compor o line up dessa décima edição da XXXperience Curitiba, muitos fãs se revoltaram contra a falta de “full on” dentre as atrações. A organização, então, apressou-se em rechear as apresentações diurnas do Castelo dos Sonhos com dois grupos que representam linhas diferentes de psytrance: De um lado, o full on pop de Krome Angels e Sesto Sento. O público pôde assistir àquelas velhas apresentações manjadas, com tracks de 1, 2, 3 anos de idade, maquiadas e embaladas com máscaras divertidas, loiras baranguentas berrando no melhor estilo stadium rock, tecladinhos do Roupa Nova e mãos que ficam mais tempo balançando no ar do que em contato com os equipamentos.

Do outro lado, houve a linha mais underground de Men 2 Deep, de Rinkadink e do DJ Shane Gobi. A questão é que essa linha não consegue empolgar o grande público, uma vez que a velocidade, peso e psicodelia não são facilmente digeríveis para aqueles que compõem boa parte do presentes da XXX: consumidores eventuais de música eletrônica, pouco familiarizados com sonoridades mais alternativas. O full on, que já foi um dia grande protagonista, foi mais uma vez o que houve de mais cansativo e sem sal na XXX. Então, parece que temos um conflito: de um lado, temos um full on comercial que não consegue se renovar; de outro, temos os ramos mais alternativos do psytrance, que por suas características próprias, são naturalmente incapazes de cativar públicos de massa. Assim, os produtores de festa não enxergam outra alternativa para suprir a demanda por full on além de chamar os velhos nomes manjados. Uma rápida olhada no line-up das últimas XXX, da Playground e mesmo da vanguardista Tribaltech (shame on you!) nos traz os mesmos nomes de sempre: Eskimo, Growling Machines, Krome Angels, Sesto Sento… Nessa encruzilhada do full on nas grandes festas, o que fazer? Acreditamos que uma opção interessante para o full on seria, como já repetido diversas vezes aqui no Psicodelia, investir nos bons projetos nacionais. Logica28, por exemplo, são dois projetos extraordinários de full on groove, que juntam sonoridades que fogem ao lugar comum da turma que sempre vemos por aqui ao potencial de agradar o público de massa. Melhor arriscar nesses projetos (com boa possibilidade de sucesso) do que insistir nos Sestos Sentos da vida só para que o full on possa cumprir tabela. A demanda por full on, está provado, continua presente. Cabe aos produtores fazerem uma reflexão e a você, fã de psytrance, pressioná-los a oxigenarem os line-ups com sangue brasileiro. Afinal, 10 anos de XXXperience em Curitiba merecia mais do que Lift Me Up e “Hello Braziiiiiiiil”. A seguir, os nossos destaques, positivos e negativos:

O melhor da XXX Curitiba

Quantize: elogios são desnecessários a um dos melhores progressives da atualidade. Merece nota o fato de que conseguiram corrigir um defeito presente tanto nas apresentações da Tribe Curitiba 2009 quanto do Universo Paralello #10: mantiveram o som no mesmo nível de intensidade das demais apresentações (quem esteve presente nas duas festas citadas, com certeza se lembra do som comparativamente baixo com o de outros artistas). No mais, deram aula de peso e de psicodelia no set. O remix unreleased do duo para a track Easy, de Perfect Stranger, é uma das melhores dos últimos tempos e motivou um dos momentos de maior empolgação de toda a festa. Talvez seja um sinal de que o progressivo, como os da nova linha, deveriam ser mais prestigiados nas festas?

John Acquaviva: Entre o tech house e o electro, Acquaviva demonstrou todas as qualidades de um grande DJ: mixagens perfeitas, seleção musical atualizada, de qualidade, e capacidade de adaptar tudo isso ao público para o qual se apresenta. Isso só mostra que DJ's são, muitas vezes, mais coerentes e interessantes do que lives. Se um DJ pode contar com um universo quase inesgotável de tracks e adaptar sua apresentação para o público, por que a insistência em engessadas e repetitivas apresentações de “músicas originais”? Será que já não passou da hora das festas superarem a ditadura do live e investir em bons DJ's, que podem trazer mais riqueza e atualidade? Hugo: o delicioso tech house do italiano empolgou a lotada e bem sonorizada Bolha Mágica. Todos os predicados da apresentação de Acquaviva aqui também se aplicam.

Boris Brechja: já quase transformado em lenda pelas seguidas ausências em apresentações (Tribe Curitiba, SOME Festival), o alemão tem um status de semi-deus do minimal entre os brasileiros. Embora colocado num pedestal pelos minimaleiros (o que é perigoso, porque o nome passa a valer mais do que a apresentação – vide Felguk), não há como se negar de que o o minimal techno dito “hi-tech” de Brechja é absolutamente empolgante e rico em timbres, e que o faltante alemão conseguiu entregar, provavelmente, a melhor apresentação da Bolha Mágica, e mesmo, talvez, de toda a XXXperience.

O Pior da XXX Curitiba

Sentimo-nos nadando contra a maré. Ao passo que Lektroluv causou furor em boa parte do público e Felguk alcança uma base de fãs (nacional e internacional) cada vez maior, parece que nossa impressão é minoritária. Contudo, temos que compartilhá-la com você, nosso leitor:

Dr. Lektroluv: unanimidade (exceto dentre o grupo do Psicodelia, tememos) na XXXperience 13 anos, o alienígena verde não conseguiu a mesma façanha na XXX Curitiba. Pudera, o esquisitíssimo electro que apresentou, recheado de timbres bregas que lembram as músicas que a professora de Body Combat coloca na sua academia, exige muito boa vontade para ser apreciado. Nada contra quem aprecia; contudo, a equipe do Psicodelia transitou entre a vontade de rir e de sair correndo. Contudo, não era difícil encontrar pessoas empolgadíssimas com aquele sem-número de barulhinhos emitidos por aquele esverdeado sujeito da jaqueta prateada.

Felguk: começaram com Satisfaction na UP #10 e emendaram com Miami Bitch nessa XXX. Fosse o “DJ Eliel” ou o “DJ Guilherme” tocando esse som, os tomates e ovos podres seriam inevitáveis. Mas, ei, eles são o Felguk, e são o máximo, não importa o que apresentem! Tornaram-se unanimidade e presença obrigatória em toda open air. Parabéns aos meninos pelo sucesso comercial. Contudo, infelizmente, enquanto Felguk deixar de tocar Felguk para mandar DJ Chuckie, Fatboy Slim e Exceeder, não mais nos empolga. Dusty Kid: alguns do Psicodelia são fãs declarados de sonoridades íntimas e introspectivas. Mas, sinceramente, o que diabos aconteceu com Dusty Kid!? Frente a uma XXXperience ainda lotada, que tinha acabado de presenciar a apresentação de electro energizado de Felguk, apresentou um set completamente fora de contexto. Oras, existem sets adequados para afters em porões na Alemanha; existem sets adequados para um festival eletrônico para 15 mil pessoas. Ao contrário de Hugo e Acquaviva, Dusty Kid cometeu o pior erro do DJ: ser egoísta o suficiente para ignorar por completo a resposta do público e o contexto no qual toca para apresentar o que bem entender. A apresentação consistiu num quase ininteligível techno melódico, arrastado e preguiçoso, que faria sentido talvez em outra situação, mas que acabou com a empolgação do enorme público ainda presente.

Concluindo…

Enfim, não podemos dizer que a festa foi ruim: pelo contrário, tanto o backstage quando a pista principal guardaram momentos bastante interessantes. O (ótimo) público de Curitiba compareceu em massa, a cerveja estava gelada, algumas apresentações foram muito boas, e até o sol deu as caras. São todos os ingredientes que formam um bom sábado entre amigos. Mas, como dissemos, números redondos tem sua mística. XXX 10 anos, por algum motivo, tem um certo dever de ser mais especial do que a XXX 9 anos, 8 anos… Enfim, o Psicodelia acha que podia e devia ser mais. Felicidades para a XXXperience e seus organizadores. Que venham os próximos 10 anos! –

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