Fatos, Boatos e Música Eletrônica

Publicado em 09/11/2010 - Por

Acredito que a maioria de vocês deve ter acompanhado a matéria veiculada no Fantástico sobre “a rave no parque”, no último domingo 07/11. Se você não assistiu, assista agora:


O que causa indignação nesta matéria não é o tom sensacionalista, pois isso já era esperado. O maior problema que vejo aqui é a inclusão irresponsável de informações imprecisas, incompletas e desencontradas que dão uma visão deturpada dos fatos. Ao invés de denunciarem uma festa com problemas, denunciam toda uma “cena” (odeio esse termo, mas tudo bem). Mais um belo exemplo do jornalismo diplomado e consciente de seu poder.
Afirmam que os brinquedos foram instalados com a intenção de ampliar ou prolongar os efeitos das drogas consumidas pelo público, fazem uma relação aleatória com caso do jovem assassinado na saída da Tribe da Pedreira em 2008, mostram 3 ou 4 pessoas pessando mal, e uma fumando maconha.
Mas é claro, é uma rave. Aposto o que quiserem que no SWU, um “festival” cultural, não havia nada disso. Também não fui a esse evento, mas imagino que tenha sido algo muito mais parecido com a reunião da Liga das Senhoras Católicas.
Para finalizar, tentam ressuscitar o Dep. Capez, autor de um projeto de lei que visa restringir a realização de festas de música eletrônica, e colocam um promotor afirmando categoricamente que “festa rave é para explorar os jovens”.
Ah, claro, o SWU e outros shows e festivais jamais pensariam em explorar o público comercialmente. Com certeza todo o dinheiro arrecadado vai para organizações beneficentes.

Separando o Joio do Trigo

Como eu não estive na festa mostrada na matéria, não posso falar sobre seus detalhes. Mas sabendo como as coisas acontecem, é perfeitamente plausível imaginar que tenha sido uma festa mal organizada.
Também é fato que o “nível” do público e das organizações tem decaído nos últimos anos. Por vezes tenho encontrado festas sem planejamento, equipe de segurança despreparada, etc. Assim como é fácil encontrar gente indo apenas para se drogar. Ou seja, tem gente “dando motivo” para a mídia sensacionalista. E aqui me refiro especialmente (mas não somente) às festas de São Paulo.
No entanto, todo problema ou crime, possui um responsável. Uma pessoa, um cidadão de carne e osso. Atribuir a culpa de qualquer coisa “à festa rave”, é uma acusação digna da Santa Inquisição, que condenava mulheres à fogueira porque estavam “possuídas pelo diabo” ou justificavam outras atitudes com o argumento de que “Deus quis assim.”
É muito mais fácil e cômodo culpar “as raves” do que abrir um processo e investigar os culpados. Bota na conta do Papa e pronto.
Fazendo um paralelo, penso em problemas tão graves quanto, ou até mais: a violência nos estádios de futebol e a quantidade de mortes nas estradas durante o carnaval. Ninguém em sã consciência cogitaria acabar com 2 paixões nacionais em função de algumas centenas de mortes aqui, algumas dezenas de ônibus e patrimônio público depredados ali. A culpa, nesse caso, é sempre de indívíduos mal intencionados, nunca do evento.

O Lado Bom

Apesar da indignção momentânea, estou tranquilo com relação ao futuro das Raves, ao menos no que se refere ao sensacionalismo de alguns veículos de comunicação. Ninguém, exceto público e organizadores, tem o poder de acabar com esse tipo de festa.
A cena eletrônica surgiu e evoluiu sempre à margem da grande mídia. Nunca foi necessário recorrer a jornais, rádio ou TV para divulgar festas de qualquer tamanho. Nos anos 90, tudo acontecia na base de panfletinhos xerocados na faculdade. Hoje, via internet. Portanto, não é um Fantástico qualquer que irá “acabar com as festas”, como muitos temem.
O que vai acontecer, nós já vimos outras vezes: a onda de caça às bruxas vai passar, e tudo voltará a ser como antes. Talvez ainda maior ou, com alguma sorte, até mesmo melhor.


Para fechar, faço um contraponto à matéria do Fantástico com o relato de um dos jornalistas mais respeitados do Brasil. Em 2008,  Zuenir Ventura foi ao Programa do Jô para falar um pouco sobre o seu livro entitulado “1968 – O Que Fizemos de Nós”. Para complementar sua pesquisa, em 2007, o jornalista foi ao Chemical Music Festival, no Rio de Janeiro e se surpreendeu com o que viu, mas de um jeito diferente da equipe do Fantástico.

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