Richie Hawtin fala sobre o boom da música eletrônica nos EUA

Publicado em 01/03/2012 - Por Mohamad Hajar

Na última semana a Mixmag internacional publicou um artigo escrito por Richie Hawtin que arrisco dizer que é um dos mais importantes e esclarecedores dos últimos tempos. Nele, o inglês naturalizado canadense deixa seus preconceitos de lado e faz uma análise minuciosa sobre os efeitos da grande popularização que a música eletrônica está sofrendo nos EUA, principalmente depois de Skrillex virar símbolo da nova geração teen americana e alvo da raiva de muita gente da cena. As conclusões dele resumem perfeitamente a nossa opinião sobre o assunto, e o seu otimismo ao final do artigo são bem semelhantes ao nosso quando falamos do assunto, mesmo não apreciando o electro-dubstep do ex-emo californiano. Confiram abaixo a tradução que nós fizemos, na íntegra:


Richie Hawtin

Eu sou uma pessoa muito otimista, mas por algum motivo eu passei o ano passado um tanto preocupado com a explosão em popularidade da música eletrônica nos Estados Unidos. Talvez porque nosso som não foi o centro dessa nova onda de interesse, talvez porque a maioria dos artistas na crista dessa onda americana possuem metade da minha idade e são influenciados por rock e Rn’B em vez de Kraftwerk, ou talvez seja apenas eu sendo super-protetor do gênero musical que passei os últimos 25 anos apoiando. Mas graças ao tempo que despendi nesse artigo e à série de conversas que tive com amigos e colegas, estou me sentindo mais otimista sobre isso agora.

Então, onde devo começar? Bem, vamos pegar o Skrillex agora. Você goste ou não, Skrillex, também conhecido como Sonny Moore, é o cara do momento, e está protagonizando a primeira experiência de muita gente com música eletrônica. Sonny é uma “usina de energia humana com laptop” que leva tanta energia aos seus shows quanto uma banda de hard rock levava nos seus dias de glória: melodias rápidas, linhas de grave que te fazem vibrar por dentro, e pára, e começa, e gagueja tanto que me fazem tropeçar nos meus próprios pés quando tento dançar (daí a tendência atual da música eletrônica bate-cabeça e crowd-surfing).

Como alguém que cresceu dançando música de olhos fechados em longas e obscuras festas em warehouses, eu ainda não sei o que pensar sobre tudo isso, mas é fato que tem uma energia extrema e um engajamento inegável.

Dois anos atrás eu nunca tinha ouvido falar sobre Skrillex, então a primeira coisa que perguntei a ele foi há quanto tempo ele estava no porão praticando…


Skrillex

Eu estou tocando desde os 16 anos“, disse Sonny, “então são 8 anos. Pouca gente sabe disso. As pessoas acham que eu simplesmente tropecei em alguma bandwagon, mas eu dormi no chão e não fiz dinheiro algum por anos. Eu nunca imaginei que chegaria aqui. Ninguém se importava com o que o Skrillex estava fazendo. Dubstep não era popular quando eu comecei a fazer isso; ele ainda era muito underground.”

Essa pode não ser a música eletrônica que eu toco, mas isso significa que não seja relevante ou, no mínimo, uma grande porta para o mundo cada vez maior da música eletrônica para os que ainda não o adentraram? Eu perguntei ao pioneiro do techno Derrick May o que ele achava dessa crescente popularidade da música eletrônica nos Estados Unidos, e ele resumiu bem: “Eu consigo apenas imaginar o fascínio e a excitação das pessoas; ouvindo esta música pela primeira vez após nunca ter tido nada parecido em suas juventudes.


Derrick May

Cara, eu consigo me identificar com isso! Eu posso me lembrar da primeira vez que ouvi uma gravação de Derrick May em 1987, e pensei que estava ouvindo a música do futuro! Maldição, eu estou começando a desejar ser uma dessas crianças tendo a primeira experiência com música eletrônica em um show do Skrillex. Sonny nasceu em 1988: um ano após aquela gravação de Derrick May me causar uma obsessão tão grande por música eletrônica que eu fiquei 6 meses trancado no porão tentando aprender como tocar com uma turntable Technics SL-1200! Como ele ficou tão bom tão rápido?

As primeiras tours de Sonny foram com a banda de rock From First To Last, tendo mudado para a música eletrônica alguns anos depois. Mas essa escola precoce de tour parece ter ensinado a ele algumas coisas sobre como engajar e entreter uma multidão – multidão esta que, como ele, nasceu em uma era em que o hip hop, o Rn’B e o grunge dominavam os Estados Unidos e quando a música pop estava começando a absorver idéias daqueles dias de início do techno e do house. Madonna incorporou claps e hi hats inspirados em Derrick May, e o hip hop usou samples de Cybortron e Juan Atkins, e outras músicas de house amigáveis para a rádio. “House de New York era demais pra mim“, relembra Sonny, “conheço Robyn S da minha infância, cresci com isso.

Que mistura de inspirações, referências, sons e idéias. Não é de se surpreender que as faixas que dominam a música eletrônica nos Estados Unidos são próximas da esquizofrenia. É assim que você obtém sucesso com música eletrônica para as massas na América do Norte, misturando as melhores partes do hip hop, rock, techno e house?

O hip hop usou sons e loops de techno por muito tempo (Missy Elliot/Timberlake),”, aponta Seth Hodder, ex-manager da label NovaMute, “e as rainhas do pop atual Beyoncé, Lady Gaga, Rihanna e Katy Perry e artistas como Black Eyed Peas e David Guetta estão lançando pop eletrônico influenciado por house, techno, rave, trance e um belo UK synth-pop à moda antiga.


David Guetta

A música eletrônica agora ocupa múltiplos níveis simultaneamente, cada um demandando diferentes formas de compreensão e apreciação. Eu perguntei ao David Guetta sua opinião, um cara que levou seu som ao topo da Billboard americana, mas agora é tido como responsável por muito desse foco do mainstream na cena. “Eu acho que a popularidade da música eletrônica é maravilhosa para todos nós,“, ele me disse, “não interessa se nós tocamos ou produzimos música de outros estilos, ou mais underground. O sucesso da nossa cena faz todos nós mais fortes. Por que deveríamos temer uma coisa tão positiva? Sempre vão haver as duas cenas, e eu acho que elas precisam uma da outra para manter a música eletrônica forte.

A ex-integrante da Minus Magda vê as coisas de uma perspectiva similar: “O atual interesse em música eletrônica tem muito a ver com o efeito multiplicador das colaborações com pop/dance comercial. Se você liga o rádio hoje em dia, mais da metade das músicas que você ouve são influenciadas pelo dance. Isso abre o mundo da música eletrônica para pessoas que talvez nunca haviam sido expostas a ele antes. E aí eles começam a garimpar mais profundamente e tornam-se capazes de descobrir outras formas de música eletrônica.


Magda

O nosso gosto musical continua se desenvolvendo pelo tempo conforme vamos sendo expostos a novos e inspiradores artistas. Para cada Robin S há um Aphex Twin. Para cada Skrillex há um Underground Resistance. As portas estão abertas, e só depende de nós para darmos o passo adentro e continuar a jornada de descoberta e esclarecimento musical.

Modismos vão e voltam,“, afirma Josh Wink. “Nós já vimos isso antes, e a música eletrônica muda constantemente, o que é uma coisa ótima. Quanto mais as pessoas tomam conhecimento sobre alguma coisa nem sempre é o pior cenário.

Na cabeça de algumas pessoas eu mudei e não sou mais o artista de techno underground que eu era no começo da minha carreira. Mas na minha perspectiva, há um desenvolvimento lento e natural das minhas idéias e aspiração. E com tantos outros artistas orientados de forma criativa e talentosa na música eletrônica, não é nenhuma surpresa que ela se torne cada vez mais popular.

Liz Miller, que passou os últimos 15 anos envolvida com a cena eletrônica e é a diretora da Warner pós-big beat, casa de artistas como Skrillex, Chuckie e Martin Solveig, ve dessa forma: “A exposição crescente ao mainstream significará um leque maior de novos talentos. Mais idéias e diferentes pontos de vista irão ampliar as fronteiras dos estilos e artistas, o que significa, é claro, mais fãs, que significa novas gerações e desenvolvimento contínuo.

Vinte anos atrás eu jamais me imaginaria fazendo tour como Plastikman em festivais com um ônibus com dez pessoas na equipe: técnicos de som e de luz, manager de palco, apoio de back-line e todos esses componentes que são comuns em tours de rock há anos. O desenvolvimento do “show de música eletrônica” nos tirou do conforto das casas noturnas e nos levou aos main stages de festivais mundo afora. Pode-se dizer que conforme as idéias e conceitos dos artistas se desenvolveram, a cena e popularidade da música cresceu.

Essa é a primeira vez que vemos tantos artistas fazendo live shows incríveis,” diz Skrillex. “Não é mais apenas um cara tocando músicas gravadas.

Agora nós temos novas formas de engajar nosso público: design de palco, show de luzes, paredes de LED e video produzem uma nova experiência. Esses foram os elementos-chave do desenvolvimento dos nossos shows Contakt e Plastikman. Em 20 anos nós passamos de DJs de club a entertainers: apenas olhe a diversidade de live shows sendo oferecidos por artistas de eletrônico hoje. Mas ainda há espaço para artistas de música eletrônica terem sucesso sem uma mega produção por trás? Pode o underground ainda se desenvolver?

Skrillex está certo disso. “Com certeza, cara. Pense no Burial: ninguém sequer sabe como ele se parece, ele não toca em show, mas as pessoas ainda o amam. Ele não quer ser um rock star. Aphex Twin – ele não tem lançado muita coisa e nem feito muito marketing, mas ele ainda pode botar pra quebrar. Se as pessoas conseguem conectar-se com a música, isso vai falar mais alto que qualquer coisa.


Electric Daisy Carnival

É claro que a cena underground continua tão forte como nunca em todo o mundo. No entanto, a América continua a ser o maior desafio, e há sinais positivos agora. Insomniac, os promotores por trás do Eletric Daisy Carnival, estão colaborando com a minha equipe para trazer uma nova experiência ao público americano. Loco Dice, uma estrela moderna a emergir da cena underground, também é otimista para o futuro.

É ótimo ver a experiência da música eletrônica de ter outro florescimento nos EUA“, diz o DJ e produtor alemão. “A música eletrônica tornou-se finalmente um tema para a imprensa convencional, os festivais são maiores do que nunca e a cena club está em boa forma. Sinto que há uma grande troca de idéias em curso na nossa cena, e em maior escala do que era no passado. Isso só pode ser uma coisa positiva.


Loco Dice

Eu também estou encorajado por esses comentários do promotor do influente Movement Festival, de Detroit, que se destaca na América como um farol de pensamento do passado, presente e futuro. “O público nacional está começando a aprender e compreender as raízes e os potenciais da música eletrônica mais e mais com a sua popularidade sempre crescente“, diz Jason Huvaere, “e que resultou em um aumento na freqüência e participação de artistas no Movement Festival a cada ano.

Estamos em um cenário de “ano zero” para muitas das pessoas e em torno desta cena. Toda a história da música eletrônica está aí para ser referenciada, e consciente ou inconscientemente extraída. As possibilidades são infinitas, lembrando-me – mais uma vez – o que me animou sobre música eletrônica em primeiro lugar, e ainda desafia minhas próprias idéias de onde a música eletrônica deve e pode ir. Há motivos de sobra para ser otimista. Novos horizontes, na verdade.

 

 

Escrito por Richie Hawtin, originalmente publicado na Mixmag. Traduzido por Mohamad Hajar.

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